Rafael Ribeiro da Silva, de 11 anos, não conseguiu segurar a vasilha de plástico com os bombons que a mãe havia feito para ele vender no intervalo entre uma pelada e outra em um campinho de terra do bairro Calixtolândia, em Anápolis.
Ele voltava para casa com o irmão, de 15 anos, quando não escapou da violência do carro conduzido pelo motorista Edson de Sousa Correa, de 40 anos, por volta das 19h30 de sexta-feira (16/11).
A poucos metros do menino ensanguentado, a vasilha de plástico despedaçada da mãe e os pedaços de bombons ficaram espalhados. O irmão dele não sabia o que fazer na Avenida Brasil, a mais movimentada de Anápolis, em Goiás.
Os dois atravessavam a Avenida correndo, mas apenas o irmão de Rafael chegou do outro lado. Quando olhou para trás, viu Rafael sendo atingido pelo carro de Edson, em alta velocidade e com os faróis desligados. O motorista nem reduziu a velocidade. Fugiu, deixando o menino caído no chão, desacordado.
Edson, o motorista, foi preso. Na delegacia, confirmou que, depois de atropelar Rafael, deixou o carro em casa, pegou outro, voltou ao local do acidente e ainda olhou para a vítima. Ao invés de ajudar, recolheu uma peça danificada do carro próximo do menino e foi embora.
O motorista passou por audiência de custódia, mas teve a prisão preventiva mantida porque ele tem passagens por estelionato e porte ilegal de arma de fogo.
O sonho de Rafael: o menino atropelado na Avenida mais movimentada de Anápolis
Diariamente a mãe dos meninos, Graziela Ribeiro Barbosa, de 33 anos, derretia o chocolate, distribuía-o em forminhas com recheios de brigadeiro, coco e leite ninho. Ideia que Rafael trouxe da casa de um amigo. “Ele viu que a mãe de um amiguinho tinha feito e pediu para eu fazer porque ele queria vender”, lembra a mãe.
Ansioso, o menino abria a geladeira para saber se já podia embrulhar os doces, colocá-los nas vasilhas e sair pelas ruas do bairro oferecendo para qualquer um que encontrasse. Qualquer um ali lembraria da voz tímida de Rafael vendendo bombom. “Eu me lembro dele. Morreu?”, se espanta a dona de uma panificadora.
Ninguém conseguiu mastigar a ideia de Rafael ter morrido. Habita o silêncio na casinha simples de dois quartos, sala e cozinha, paredes rachadas e piso de cimento amarelo, alugada pelo pai Adriano da Silva, de 39, por R$450. Ninguém sorri ainda, uma semana depois da tragédia. Nem a mãe, nem o pai, nem qualquer um dos outros quatro irmãos: uma jovem de 18 anos, os meninos de 16, 15 e 7 anos.
Um amiguinho de Rafael também não tem animação desde que ele não voltou para casa. E provavelmente não sabe que ele nunca mais vai voltar.
Cururuca, um vira-latas de dois meses, foi levado para casa por Rafael depois da escola um dias desses. “Ele achou o cachorrinho na rua, colocou na mochila, assistiu a aula e trouxe para casa”, conta a mãe, engolindo o choro. “Ninguém percebeu na escola.”
Na casa simples, com duas fotos do menino na parede, o pai anda cabisbaixo. Ele se lembra de Rafael se preparando para enfrentá-lo nas lutinhas entre pai e filho. “Era uma festa que meu marido arrumava com ele e com os outros. Até o Cururuca entrava na brincadeira.”
Adriano, o pai que tentou segurar o filho gravemente ferido no colo, não consegue dormir. “A mãe dele teve que levar ele para o médico, para tomar remédio.” Na próxima segunda-feira (26/11), Adriano precisa voltar ao trabalho.
Um pouco desajeitada ao telefone, Graziela conta como soube que o filho foi atropelado. “Estava preparando o jantar quando uma vizinha chegou aqui em casa desesperada. Ela bebia em uma distribuidora em frente ao local do acidente e viu tudo.”
Graziela desmaiou assim que escutou que um dos cinco filhos estava gravemente ferido. “Não consegui nem ver meu filho. Ele estava muito machucado, meu Deus.”
“Eu não queria ver meu filho daquele jeito. Logo ele, muito atencioso. O mais atencioso dos meus filhos”, diz ela. “Como ele era criança, não podia trabalhar, por isso insistia para eu fazer os bombons.” A mãe do menino conta que ele queria ajudar em casa.
Para tentar escapar da sina da pobreza, o menino vivia falando que queria ser juiz. “O sonho dele era ser juiz para tentar tirar a gente dessa vida. Vou virar juiz e tirar a senhora daqui – do aluguel. Ele achava aqui em casa muito sofrido”, recorda.
O silêncio…
Já no Hospital Estadual de Urgências de Anápolis Dr. Henrique Santillo (HUANA), a mãe do menino conseguiu vê-lo com vida pela última vez. “Eu vi ele de longe, passando para fazer exame. Não me deixaram ver meu filho de perto. Ele estava entubado, muito machucadinho.”
O médico disse para Graziela que Rafael tentou sobreviver. “A batida foi tão forte que era para morrer na hora. Mas meu filho tentou.”
Rafael morreu 15 minutos antes de 1h da madrugada de sábado (17/11). No velório, a mãe encostou o rosto no do filho. “Ele parecia dormir.”
Desde o dia em que foi sepultado, os bombons endureceram na geladeira, o Play Station 2 está desligado, e a risada da família de Rafael foi substituída pelo choro.
De vez em quando, Cururuca abana o rabo e resmunga quando ouve algum barulho no portão. Mas Rafael não aparece…
O irmão de Rafael que viu tudo, não comenta nada. Não diz nada. “Ele era o mais apegado com o Rafael. Os dois dormiam na mesma cama, saíam, comiam na mesma vasilha e iam comprar refrigerante juntos.”