Solto há três meses após ganhar progressão de pena – foi para o semiaberto – um preso de 26 anos desligou a tornozeleira eletrônica no sábado (3/11). “Desliguei para sair de noite”, justificou ele, no Terminal Veiga Jardim, em Aparecida de Goiânia.
Ele foi encontrado pelo repórter no início da tarde de domingo (4/11) Terminal Veiga Jardim, depois de ter passado mais de dez horas com o aparelho desligado sem ter sido localizado por agentes responsável pelo monitoramento e busca de presos que desaparecem no sistema.
Enquanto ele fumava, contou um pouco da rotina dos últimos seis anos desde que foi preso após matar a vítima de um assalto em 2012. “Não gosto nem de lembrar, mano. Matei sem ver.”
Ele comenta sobre as dificuldades de conseguir emprego, se lembra do horror da Casa de Prisão Provisória (CPP) e Penitenciária Odenir Guimarães – inclusive da guerra entre facções no Complexo Prisional e revela como conseguiu se acostumar à cadeia.
“Tive de ser batizado pelo Comando Vermelho para não morrer”, conta. Ele garante que não trabalha para a facção do lado de fora da prisão.
Preso do semiaberto conta como entram drogas e celulares na cadeia
“Tudo lá dentro da cadeia é dinheiro. Tinha que conseguir R$400 por semana para me manter, ajudar na cela e nas drogas”, conta, entre tragadas de um cigarro que ele conseguiu de um rapaz vestido com calça e camisa social. “Depois fiz os corres para comprar um celular lá dentro.”
Ao Portal Dia Online, o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado de Goiás, Maxsuell Miranda das Neves, comentou isso em uma entrevista no dia 1º de janeiro sobre apreensão de mini-celulares. “Não fica barato um preso conseguir um celular. Ele precisa corromper servidores, advogados e familiares. Fora o valor do aparelho”, disse.
O repórter quer saber como. “Ligando para as tias”, diz ele, em referência a golpes. “Depois a gente conseguia créditos e planos nas operadoras”. Depois de resistir, decide contar como conseguia celular dentro da cadeia. “A gente paga pros agentes, R$3 ou R$4 mil, mano.”
Segundo ele, ou os agentes entram com os aparelhos e drogas ou facilitam a entrada dos familiares. “Por isso tem que ajudar lá.”
O rapaz não conseguiu emprego desde que saiu para rua porque, diz ele, as pessoas não dão chance para quem usa tornozeleira. Ele sabe que pode ser punido – voltando para o regime fechado – por desligar a tornozeleira. É o que explica ao Portal Dia Online, o coordenador da Central de Monitoração Eletrônica da Diretoria Geral de Administração Penitenciária (DGAP), Rodrigo Helou.
“Se ele for encontrado, provavelmente haverá regressão de regime ou mandado de prisão de aberto.” Ou seja, ele pode voltar para a cadeia. E não vai adiantar ele contar as histórias que ele contou para a reportagem.
“Ali é um inferno. Vi gente sendo espancada e tendo olhos arrancados”, lembra o preso, com currículo criminal robusto: passagens por tráfico, roubo e latrocínio. Quando foi indagado se ele continua cometendo crimes, ele garante que não.
Durante toda a noite em que esteve com a tornozeleira eletrônica desligada, nenhum dos 30 servidores responsáveis pelo monitoramento acionou a equipe de agentes que vão atrás de presos que, ou não colocam para carregar ou violam para fugir.
Segundo Rodrigo Helou, cerca de 30 servidores monitoram as tornozeleiras de pelo menos 1.100 presos do semiaberto em Goiânia e Aparecida de Goiânia. São 4 mil em todo o Estado de Goiás e 3 mil em toda Região Metropolitana da capital. “Os agentes vão até o local, normalmente com apoio de policiais militares e verificamos onde está o preso”, explica ele.
Quando há regressão de pena, o preso sai do regime fechado e vai para o regime semiaberto. “Quando o preso trabalha, ele tem autorização para pernoitar em sua casa. Quando não trabalha, ele tem que voltar para a unidade prisional e, no final de semana, fica recolhido na unidade prisional integralmente.
No caso do preso encontrado pela reportagem no Terminal Veiga Jardim, Rodrigo Helou diz que é excessão. “Esses casos chegam a no máximo a 2%.”
Ainda segundo Helou, caso o preso seja identificado, ele deve ser levado de volta para a unidade prisional e deve responder a um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD). “O processo encaminha para o juiz, que normalmente manda regredir”, resume Helou.