O presidente da França, Emmanuel Macron, planeja emendar a mais célebre legislação francesa: a lei de 1905 que estabeleceu a separação entre Igreja e Estado. Texto de referência do secularismo do poder público na Europa, a lei deverá ser alterada para enfrentar um problema contemporâneo, ligado ao radicalismo islâmico e ao terrorismo: o financiamento estrangeiro de grupos religiosos no país.
O objetivo do projeto de emenda é responsabilizar os diretores de centros de culto para impedir que recursos internacionais possam financiar atividades extremistas em território francês. O governo por ora confirma apenas a intenção, mas não revela detalhes.
Um processo de consulta de líderes religiosos deve começar na próxima semana, em um trabalho coordenado por dois ministérios: o da Justiça e o do Interior – este último responsável pela segurança interna e pelo combate ao terrorismo.
Nenhum dos maiores princípios da lei seria atingido, e a separação entre Igreja e Estado, assim como a liberdade de culto e a neutralidade do Estado, serão mantidas no novo texto. Por outro lado, a emenda exigirá mais transparência no financiamento de grupos e organizações religiosas que atuarão na França. “Não se trata de reescrever a lei de 1905”, afirmou a ministra da Justiça, Nicola Belloubet, à rádio France Inter, tentando tranquilizar os críticos.
Segundo o ministro do Interior, Christophe Castaner, as “reflexões” estão em curso no governo e serão transformadas em um projeto uma vez que as partes envolvidas sejam ouvidas. Ainda conforme o ministro, a expectativa é a de que o projeto seja apresentado ao Parlamento no início de 2019.
Pelo rascunho obtido pelo jornal LOpinion, o governo pretende incitar associações culturais e adotar padrões mais transparentes de financiamento em troca de uma espécie de “selo” de garantia emitido pelo Estado francês. Esse carimbo definiria a associação religiosa como “cultural”, abrindo as portas a uma série de subvenções fiscais. Em troca dos subsídios, as associações culturais – em especial mesquitas e centros de culto islâmico – terão de declarar doações superiores a 10 mil provenientes de Estados, empresas ou pessoas físicas estrangeiras. A pena para o descumprimento da medida de transparência seriam multas ou o confisco dos recursos.
A questão do financiamento do culto muçulmano está no centro do projeto de Macron de criar o chamado “islã francês”, ou seja, uma derivação do islamismo praticado no país e mais integrado aos valores da França.
Esse “islamismo à la francesa” existiria em detrimento de versões do culto muçulmano praticadas no Norte da África, no Catar ou na Arábia Saudita, países que influenciam os rumos da religião muçulmana na França por meio de programas de formação de imãs ou de sustento de mesquitas.
Por trás da medida também está o combate ao radicalismo islâmico e ao terrorismo. Mas, para Tareq Oubrou, imã da mesquita de Bordeaux, o Estado está interferindo no que não deveria.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.