Foi com a presença ilustre da Rainha Elizabeth II e do Príncipe Philip que o novo prédio do Museu de Arte de São Paulo foi inaugurado, em 7 de novembro de 1968, no coração da Avenida Paulista. Os fundadores do museu, Assis Chateaubriand e Pietro Maria Bardi, acompanharam a visita, ao lado de Lina Bo Bardi, arquiteta ítalo-brasileira responsável pelo prédio e esposa de Pietro, e do então prefeito da cidade, José Vicente Faria Lima.
Por lá também estava a pintora nipo-brasileira Tomie Ohtake, que apresentou sua obra, em exposição na abertura do museu, à monarca inglesa. O encontro, registrado numa fotografia, gerou grande orgulho para a artista. “Ela mandou a fotografia para todos os parentes no Japão, que não acreditavam que ela fosse uma pintora conhecida”, conta, aos risos, um dos filhos de Tomie, o arquiteto Ricardo Ohtake, que hoje dirige o Instituto que leva o nome da mãe, em São Paulo.
Esta é apenas uma das centenas de histórias que o prédio do Masp, na Avenida Paulista, colecionou, ao longo destes 50 últimos anos. Histórias, aliás, que não se resumem apenas ao mundo das artes, ainda que tenha, em sua memória, exposições de nomes grandiosos como Claude Monet e Michelangelo.
Um dos maiores cartões postais de São Paulo, o prédio do Masp se tornou um ponto de encontro, nas palavras do artista Claudio Tozzi, cujo quadro Repressão, de 1968, figura atualmente no Acervo em exposição no segundo andar do museu. “É não apenas um marco da arquitetura, a preservação daquele vão livre fez um ícone de acontecimentos, ponto de muitos encontros.”
A qualquer hora do dia, o Vão Livre do Masp recebe amigos, casais, feirantes, mendigos, poetas, músicos. Nas últimas décadas, ficou marcado por receber manifestações políticas, independentemente de qual seja o ponto de vista. Esquerda, direita ou anárquicos, todos se reúnem lá. Além de museu, por conta do design implantado por Lina Bo Bardi, o edifício do Masp abriga uma praça pública.
Uma “arquitetura democrática”, como define Marcelo Ferraz, arquiteto que trabalhou com Bardi durante muitos anos. “É acessível, convidativo, faz com que as pessoas se sintam donas do lugar.” O curador-chefe do Masp, Adriano Pedrosa, concorda. “É a vocação do edifício.”
Ousadia
A democratização do local vem também de outra ideia de Lina, esta para o espaço expositivo. Grandes áreas abertas fazem com que os quadros saiam das paredes e flutuem em seus cavaletes de vidro, desenvolvidos pela arquiteta, que estavam presentes em 1968 e foram retomados pela atual administração do Masp em 2015.
“Você caminha por dentro das pinturas e o nome do autor da obra não está na frente”, lembra Ferraz. “Na Europa jamais se ousaria assim.” O professor Guilherme Wisnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, um dos convidados que estarão num seminário comemorativo dos 50 anos do prédio, nesta segunda-feira, 5, no próprio Masp, explica. “A Lina criou um modo radical; com a legenda no verso, cai a febre do reconhecimento”, esclarece. “A pessoa não vê se o pintor é importante, é um embate entre espectador e obra, sem intermediário.”
A ousadia e dedicação de Lina Bo Bardi para o projeto do Masp vem desde o início. O museu já funcionava desde 1947 num prédio na Rua Sete de Abril, no Centro de São Paulo. Foi brevemente para a Fundação Armando Álvares Penteado na década de 1950. Mas, com um acervo cada vez maior, Pietro Bardi e Assis Chateaubriand decidiram construir uma sede própria.
O terreno escolhido, doado à prefeitura de São Paulo, era ocupado por um belvedere, projetado por Ramos de Azevedo e demolido em 1951. Lina teve papel fundamental nesse movimento. “Ela articulou a cessão do terreno e participou das negociações”, afirma Toledo, um dos curadores de uma exposição sobre a arquiteta que vai passar pelo Masp e também pelo Museu Jumex, no México, e pelo Museu de Arte Contemporânea de Chicago no ano que vem. “Dentro do contexto temático do ano que vem, achamos por bem fazer uma exposição que mostrasse as diferentes facetas da Lina, arquiteta, design, editora, curadora e educadora.”
Bo Bardi fez outros edifícios icônicos como o Sesc Pompeia, em São Paulo, e o Museu de Arte Moderna da Bahia, mas o prédio do Masp figura entre suas mais grandiosas obras. A ideia do Vão Livre, com vista para a Avenida 9 de Julho, é, talvez, a parte mais marcante da construção, cujo trabalho de engenharia dos pilares de sustentação ficou a cargo do engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz.
“Aquelas vigas foram uma solução bastante engenhosa, vencer aquele vão exigiu um cálculo especial e um material de resistência, para manter de pé”, opina Ricardo Ohtake. O arquiteto lembra ainda que a tinta vermelha, que tornou o Masp cartão postal de São Paulo, veio muitos anos depois. “Aquela pintura em vermelho é um revestimento, para evitar o desgaste. Lembro que estava caindo poeira das vigas.”
O processo de construção não foi fácil, segundo Marcelo Ferraz. “Foram muitas dificuldades. O projeto começou em 1958, ficou parado entre 1961 e 1965, e teve problemas nas ferragens e vigas”, afirma. “Mas ela levou a ideia de criar um museu de arte contemporânea às últimas consequências. Você consegue ter no local a luz do dia e um espaço de convivência.”
Para o professor Eduardo Rosetti, do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, que também estará no seminário de comemoração, o legado e a influência do trabalho de Lina foi para além de São Paulo e do lado arquitetônico. “A experiência do Masp foi para a Bahia. Inventar um museu é construir acervo, mas também pensar no seu funcionamento e no lado pedagógico.” (Colaborou Eduardo Gayer)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.