Na última semana, chegou ao fim a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que, entre suas centenas de filmes, trouxe ao público paulista, em primeira mão no Brasil, o longa “O Mau Exemplo de Cameron Post”. O filme venceu o principal prêmio do Festival de Sundance este ano, mas ainda não tem data para chegar ao circuito comercial do País. Com direção de Desiree Akhavan, o longa tem a atriz Chlöe Grace Moretz no papel principal.
O livro que inspirou a história, de Emily M. Danforth, no entanto, já figura nas livrarias há alguns meses, com distribuição no Brasil pela editora HarperCollins. Ambientado nos anos 90, “O Mau Exemplo de Cameron Post” traz a luta de uma adolescente que precisa enfrentar os preconceitos por se descobrir lésbica numa pequena cidade no interior dos EUA.
Na história, Cameron Post, a personagem título, fica órfã e é obrigada a morar com uma tia conservadora e uma avó antiquada, no conservador Estado de Montana. Quando ela conhece e se apaixona por uma colega de escola, sua tia resolve mandar Cameron para um acampamento religioso, com o intuito de “curá-la”.
“Meu livro se passa no começo dos anos 90 e, desde aquela época, em muitas partes do mundo, houve progresso para as pessoas LGBTQIA”, explica a autora do livro numa entrevista à reportagem, por e-mail. “Porém, e este é um significante porém, o trabalho não está encerrado, estamos no meio de uma onda ultra-conservadora contra todo o progresso e visibilidade, e eu sei que isso também está acontecendo no Brasil.”
A própria Emily é gay e cresceu em Montana nos anos 90, mas esta é, segundo ela, sua única relação direta com a história. Há, ainda, situações comuns a qualquer pessoa homossexual que foi adolescente nesta época. Por exemplo, Cameron busca na cultura pop representatividade, numa época em que isso ainda era raro, tanto na TV quanto no cinema. “Por muito tempo filmes ‘queer’ foram marginalizados. Mas quando filmes como Cameron Post ganham prêmios e chegam a grandes audiências, servem de ajuda para estúdios e diretores desenvolverem mais produções do gênero”, afirma Emily.
Apesar do livro mostrar os efeitos negativos das chamadas “terapias de conversão”, a autora recebeu algumas críticas negativas por não ter colocado personagens como a tia de Cameron como vilões. “Seria fácil fazer com que esses personagens fossem vilões, mas não parecia verdadeiro para mim. Pessoas fazem coisas horríveis com boas intenções o tempo inteiro”, ela rebate. “Eu tenho pessoas assim na minha família, assim como muitas pessoas LGBTQIA.”
Para Emily, o caso de terapia retratado no livro é diferente, mas ela sabe que há, ainda hoje, centros de “cura” que utilizam, até mesmo, violência física. “Mesmo nos EUA, terapia de conversão ainda existe, de várias formas, e ainda é legal numa vasta maioria de Estados”, se preocupa a autora. “Pessoas LGBTQIA não estão quebradas e, por isso, não precisam de conserto. Não é uma doença. Então a tentativa de ‘cura’ não só é absurda, como pode ser prejudicial para adolescentes.”
Uma época diferente
No livro, Cameron sente culpa e vergonha, em determinados momentos, por ser quem é. Segundo Emily, este é o reflexo de uma sociedade que era ainda muito mais conservadora 25 anos atrás. “A história se passar nos anos 90 não é por acaso, não é por pura nostalgia por camisas de flanela e música alternativa”, brinca. “Em termos de direitos e representação, 25 anos atrás havia um mundo totalmente diferente para pessoas ‘queer’.” A autora, por ter vivido a época, sabe o quanto foi difícil. “Assim como Cameron, cresci numa cidade rural e posso te confirmar, não havia uma pessoa sequer fora do armário. Mesmo na TV, Ellen DeGeneres só foi sair do armário depois do meu colegial.”
É a época, em si, que faz com que algumas pessoas fiquem frustradas por Cameron não ter um papel tão ativista na história. “Não estava interessada em fazer com que Cameron fosse uma heroína gay ou um mártir. Ela é uma adolescente imperfeita que está tentando descobrir quem é, em seu mundo pequeno”, explica a autora, que afirma que não seria crível ela assumir um papel ativista dadas as circunstâncias. “Entendo que seja frustrante para pessoas que vejam a história com as lentes do ativismo em 2018, com elementos da ‘Teoria Queer’ e com décadas de progresso legal e social, mas não seria realístico.”
Adaptação para o cinema
Para o filme de Desiree Akhavan, Emily ajudou como consultora do roteiro. “Fiquei muito animada. Já conhecia o trabalho de Akhavan e foi muito bom saber que ela seria a diretora e co-autora do roteiro.” A escritora viu o filme pronto pela primeira vez em Sundance e se emocionou. “Foi um presente poder estar na plateia.”
Depois de ver o filme, Emily aprovou a interpretação de Chloe Grace Moretz no papel principal. “Ela está fenomenal como Cameron. Sua representação é bonita e muito aberta”, elogia. “Ela consegue ser bastante vulnerável. Acredito que os leitores do livro ficarão impressionados.”