Talvez seja o grande filme da Mostra, ao lado de Em Chamas, de Chang Dong Lee, Nuestro Tiempo, de Carlos Reygadas, e Assunto de Família, de Kore-Eda. Mas, mesmo entre esses integrantes do dream team, A Árvore dos Frutos Selvagens, de Nuri Bilge Ceylan, se destaca de maneira especial. É mais um degrau de construção de uma obra muito autoral, que já nos deu filmes tão intensos – e extensos – como Era uma Vez na Anatólia e Sono de Inverno.
Ceylan, como de costume, faz do seu filme um elogio à palavra, porém a coloca em contexto visual apuradíssimo, em tela panorâmica que abraça a paisagem da sua região natal, a Anatólia, na Turquia.
A palavra é uma questão premente para Sinan, que retorna à sua aldeia depois de fazer seus estudos em Istambul. Deseja ser escritor, e seu sonho é publicar um livro que ninguém deseja. Como precisa sobreviver, deve prestar concurso para professor. Seu pai também é um mestre escola, em vias de se aposentar. Com o tempo, o pai adquiriu o vício do jogo e torra seu ordenado em apostas de cavalos. É desprezado pela família, e, em especial, por Sinan, que adora a mãe e a vê como vítima de um casamento equivocado.
Tudo se dá sob o signo do desencanto. O livro que não se publica, o amor de infância que prefere o casamento com um homem rico, as discussões sem fim com a família, com os religiosos da aldeia, com o prefeito, com um romancista famoso, com todos. Sinan é um rebelde. E um homem em precária construção.
Daí os críticos franceses terem comparado A Árvore dos Frutos Selvagens aos grandes romances de formação, de amadurecimento, como O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Neste, o problemático Julien Sorel só tem duas alternativas para escapar à sua condição social – a religião ou as armas.
Para Sinan, é o magistério ou a literatura. Mas, na Turquia moderna, há poucas vagas para professores e mais de 300 mil candidatos inscritos. A literatura…quem a deseja nos tempos atuais? De modo que Sinan terá de buscar uma alternativa, que não é aquela desejada, mas a possível.
Nesse percurso angustiado de começo de vida, há a questão pulsante da relação com o pai. E nela vemos o cerne desse filme extraordinário. O protagonista precisa dar um jeito para acertar sua subjetividade e o fará por caminhos que por certo deixarão o espectador surpreso – e também comovido.
Neste filme sobre as palavras (entre outros tantos elementos), elas próprias são problemáticas. Longos diálogos que dão volta em torno de si mesmos, a dificuldade em ouvir o outro e compreender suas razões – tudo isso que assistimos hoje em dia num mundo que se diz da comunicação mas em que as pessoas sentem-se cada vez mais isoladas.
Daí que, depois de muitos diálogos (alguns deles inspirados em Nietzsche e Dostoievski), será um ato puramente físico a produzir um improvável reencontro. Filme estupendo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.