Nos bastidores da apresentação de sua coleção de inverno nesta terça, 23, Ronaldo Fraga explica como uma viagem para Israel contribuiu para seu olhar sobre a atual questão política vivida no Brasil. Fala sobre a importância de assumirmos que existe uma guerra também no Brasil (e não só na Palestina, por exemplo), sobre tolerância “como um valor mínimo para o ser humano, a essa altura do campeonato”, e aponta suas sugestões e caminhos para que as ações individuais ajudem a moldar o cenário macro político. Confira:
Sua nova coleção propõe uma comparação entre o conflito entre judeus e palestinos em Israel e a polarização política que vivemos no Brasil. Como surgiu a ideia desse paralelo?
Eu fui a Isael no ano passado, passei 40 dias. Em um território do tamanho de Sergipe, foi tempo suficiente para conhecer o país inteiro. Tem lugares na Terra em que se fala de vários tempos no mesmo lugar, existe algo de epicentro da história da humanidade. Eu não sabia exatamente que fio condutor eu pegaria dessa história para a coleção. Inicialmente pensei em falar de alma de pedra, de Jerusalém…, mas em dado momento, com essa loucura que a gente está vivendo no Brasil, eu pensei ‘não, eu preciso falar de outra coisa, vou focar em outra situação’.
Quando fui a Tel-Aviv, me encantei. É uma cidade toda arborizada, cheia de laranjeiras carregadas e extremamente humanizada, com galerias de arte a cada duas ruas. É lotada de gente. Fica a apenas 100 quilômetros de Jerusalém, mas em uma cidade você está há 2000 anos atrás e na outra você está no futuro. Essa situação que descrevo no release da coleção foi quando entrei em um café e vi uma faixa com um texto em hebraico. Perguntei o que significava e me explicaram que ali, ao sentarem juntos um árabe e um judeu, a mesa recebia 50% de desconto.
Comecei a olhar ao entorno e perceber uma vida totalmente à parte da briga política e religiosa. Estavam ali casais heteros e gays, de árabes e judeus, vivendo de forma totalmente independente do que a gente imagina, que seja aquilo quando estamos de fora. Antes de viajar, me disseram “cuidado com essa sua cara de árabe em Israel”, e eu nunca me senti tão seguro em um lugar. Claro que eles têm um estado militarizado, mas tem ali algo que corremos o risco de perder no Brasil, que é a liberdade individual, as relações individuais – foi a partir dessa história que resolvi traçar o paralelo.
No Brasil, enquanto a guerra política está tão aflorada e parece que nunca vimos tanto ódio entre nós, que tipo de lição essa reflexão pode nos trazer?
Eu acho que é importante a gente olhar para lugares onde esses direitos de liberdade individual foram conquistados, onde essa história foi conquistada. E é uma coisa dos civis, uma conquista do civil que vive à parte do movimento político.
Acha que poderia ser uma saída para nós?
Sim. Acho que estamos em guerra, e o mundo está em guerra mesmo, mas quando você olha para a guerra do outro, você não olha para a sua própria. Você imagina que não fazemos parte, mas quem está em guerra é também o Brasil. É o Rio de Janeiro, por exemplo – as situações dessa cidade que também parecem distantes para a gente, mas vão tomar conta do Brasil. O País está indo por um caminho de milícia.
É uma coleção para falar da paz?
Mais ou menos. É uma coleção para falar de tolerância como um valor mínimo para o ser humano, a essa altura do campeonato. Um valor mínimo e urgente.
Você vê uma saída de unificação? Para juntar os “árabes e judeus” do Brasil, metaforicamente falando, pós eleições?
Eu acho que nós só começamos essa guerra. Ganhe um ou outro, a máscara caiu, as portas do armário da intolerância estão abertas. O monstro está à solta e ele não vai ser enfiado de volta no armário no dia 29 de outubro, de um jeito nenhum.
Precisamos viver essa guerra?
Acho que precisamos viver isso porque estamos cara a cara com um Brasil que a gente não acreditava que existia. Um Brasil que parecia distante. Um Brasil racista, homofóbico, que já vivia aqui – estava na sua tia e você mudava de assunto. Tinha como mudar de assunto. Então quando eu coloco isso na conversa na mesa de jantar, é porque acredito que é isso que precisamos fazer. Em nosso País existe essa história da ‘carne barata’, que é o negro, a mulher, o gay, a travesti, o índio, o gordo, o feio…E esse país é o mesmo a olhar para fora e pensar ‘olha o que eles fazem com os palestinos! ‘.
Você tem esperança?
Eu acho que tudo passa. Acho que na humanidade tudo vai passar, o bom e o ruim. É um passo à frente e tudo na vida é assim, as vezes você joga um dado e cai 30 casas para trás, mas a humanidade vai andar. Quantas gerações isso vai levar para acontecer, eu não sei. Mas o nosso papel enquanto homens do nosso tempo, enquanto micro e macro política, é entender essas diferenças. Quando dei o exemplo desse café, foi uma micropolítica, uma coisa que a gente está começando a ouvir falar agora. Pode ser que quando eu fale ‘micropolítica é isso’, alguém fale ‘nossa, eu estou fazendo isso há muito tempo’. Acho que temos que estimular isso nas pessoas, a micropolítica para chegar à macro, e outra coisa é o cuidado com o outro. Porque se estão atacando o diferente do seu lado, vai chegar sua vez.