Wim Wenders é quem começa a entrevista perguntando: “Mas, afinal, o que está acontecendo no Brasil? Meu Deus!”. O cineasta de 73 anos, nascido em Düsseldorf, na Alemanha, três meses depois da rendição do país na Segunda Guerra Mundial, conhece bem o Brasil. Ele fez, afinal, um documentário sobre Sebastião Salgado, O Sal da Terra (2014), em parceria com o filho do fotógrafo, Juliano Salgado. Mas não só no Brasil, acrescentam os jornalistas da Turquia e de Israel – outros dois países em momento de turbulência -, que dividem a entrevista com o jornal O Estado de S. Paulo durante o Festival de Zurique. O que anda se passando no mundo? “O que está acontecendo é que as pessoas não têm memória da história”, disse Wenders. “E a falta de conhecimento da história dá medo. Porque só por meio da história podemos aprender e evitar os mesmos erros. Então, as pessoas parecem destinadas a repetir os mesmos erros.”
O cineasta recebeu um tributo durante o Festival de Zurique, onde apresentou a versão restaurada de Asas do Desejo (1987), um de seus filmes mais reverenciados, pelo qual ganhou o prêmio de direção em Cannes, e que também está na programação da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. “O longa está melhor do que nunca porque, quando fizemos, em 1986, 1987, era ainda a época analógica”, disse Wenders. “As lindas cenas filmadas pelo mestre do preto e branco Henri Alekan acabaram num negativo colorido. E combinar cor e preto e branco na época significava passar por várias etapas, então cada cópia exibida de Asas do Desejo estava seis gerações além do negativo original. Agora restauramos o filme e tudo, 100%, vem do negativo da câmera. É um preto e branco glorioso e é exatamente o que Alekan tinha em mente. Então, às vezes a era digital permite que você faça coisas melhor do que antes.”
Para ele, o filme continua tão amado por falar de algo básico: “Que todos temos um anseio pelo ser humano melhor que talvez possamos ser”.
Ele continua filmando bastante, lançando em média um filme por ano, mas sua produção de maior destaque nos últimos anos tem sido de documentários – suas únicas indicações ao Oscar foram por Buena Vista Social Club (1999), Pina (2011) e O Sal da Terra. Ficções como Submersão (2017) e Tudo Vai Ficar Bem (2015) tiveram recepções mornas, bem distantes de clássicos como O Amigo Americano (1977), O Estado das Coisas (1982) e Paris, Texas (1984). Wenders não tem nenhum projeto de ficção no momento. “Eles levam de três a quatro anos para fazer, e eu tenho de escolher com cuidado, porque tenho mais de 70.” Também explicou suas dificuldades de fazer ficção no momento. “O circuito de arte diminuiu, filmes originais são muito mais raros. Muitos dos meus melhores trabalhos foram feitos sem roteiro. Asas do Desejo foi feito sem roteiro. Paris, Texas tinha meio roteiro. Era uma descoberta, mais ousado e aventureiro. Hoje você tem de saber o que é o filme antes de começar. Acho que por isso tenho tendido mais ao documentário, porque nesse caso se espera que você descubra o filme ao fazer.”
O mais recente é Papa Francisco: Um Homem de Palavra, que sai direto em DVD no Brasil, em 21 de novembro. Católico, Wenders nega que seja um filme apenas para católicos ou cristãos. “O melhor amigo do papa é um rabino em Buenos Aires”, disse. “Francisco está lutando contra as forças do consumismo e do liberalismo ao mesmo tempo em que defende valores básicos, como igualdade, fraternidade, liberdade, os lemas da Revolução Francesa. Nossos políticos abriram mão da fraternidade.”
Seu próximo filme é outro documentário, desta vez sobre o arquiteto suíço Peter Zumthor, sobre quem já fez um curta-metragem. “Acho sua abordagem da arquitetura bem radical. Não apenas em termos de estética, mas também seu pensamento sobre o propósito de uma construção, o efeito que ela tem sobre nós. Zumthor é o arquiteto dos arquitetos. Todos queriam ser como ele, vivendo de maneira simples e fazendo poucos trabalhos. Porque muitos arquitetos fazem tanto que não podem dar sua total atenção a cada projeto como Peter.”
Indagado se poderia fazer uma série ou filme para a Netflix, por exemplo, que deu espaço recentemente a outros cineastas respeitados, como Martin Scorsese e Alfonso Cuarón, ele diz que sim, sem muita convicção. “Entendo que muitos diretores estão trabalhando lá porque têm liberdade, mas estou desapontado com a plataforma. Sinto falta de mostrar o trabalho numa tela grande. Porque amo demais o cinema como uma experiência comunal.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.