Há quatro anos, no dia 14 de outubro de 2014, a Polícia Civil de Goiás concluía uma das mais complexas e amplas investigações de sua história: era capturado o Serial Killer, Tiago Henrique Gomes da Rocha.
A seguir, leia na íntegra uma entrevista do coordenador desse trabalho, o delegado de polícia Deusny Aparecido, superintendente de Polícia Judiciária à época. Ele revela detalhes importantes e momentos marcantes da formação da força-tarefa destinada a investigar a onda de assassinatos na região da Grande Goiânia e os desdobramentos da ação.
1) O senhor coordenou a investigação mais complexa da história da PCGO. O que o senhor sentiu ao receber essa responsabilidade?
Delegado Deusny: Na verdade a responsabilidade já era minha de forma genérica, porque, à época, eu era o superintendente de Polícia Judiciária, ou seja: era o responsável pela parte operacional da Polícia Civil. Como tal, eu tinha a responsabilidade pela condução das investigações de polícia judiciária no Estado de Goiás.
De forma específica, essas investigações estavam sob responsabilidade da Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (DIH), pois os fatos.
À época, é bom lembrar que nada indicava se tratar de uma só pessoa, ou da ação de um serial killer. O que existia eram indícios. Ninguém tinha certeza nenhuma. Eram apenas conjecturas.
Por isso, foi criada a Força-Tarefa, que envolveu outros policiais de outras unidades da Polícia Civil, que não apenas aqueles da Delegacia de Homicídios. Percebemos a necessidade de haver uma estrutura maior e que nos possibilitasse analisar e trabalhar aqueles casos especificamente, para que pudéssemos chegar a uma solução.
À frente da Superintendência de Polícia Judiciária, fomos buscar, em todo o estado, aqueles policiais com perfil para atuar nesse tipo de investigação para integrar essa força-tarefa no mês de agosto de 2014 para investigar especificamente aqueles crimes que estavam ocorrendo em toda a região da Grande Goiânia.
Quando resolvi assumir a coordenação da força-tarefa, é claro que isso foi feito a partir de um grande sacrifício profissional e pessoal, mas eu não podia deixar de realizar aquela missão, tendo em vista o nosso compromisso junto à sociedade e aos parentes das vítimas.
Foi um momento difícil da minha vida, mas que, graças a Deus, com a colaboração de cada um desses setores que foram indicados para a força-tarefa, que se desdobraram e se sacrificaram mas conseguiram chegar ao resultado, conseguimos realizá-lo, claro que, sempre, com Deus à frente para nos guiar e conduzir nessa árdua jornada.
2) Como foi a composição da força-tarefa? O senhor se recorda de quantos policiais civis foram engajados para compô-la?
Aconteceu da seguinte forma: no dia 02 de agosto de 2014, logo após o lamentável assassinato da adolescente Ana Lídia, eu mesmo fui até o local do crime, na companhia do colega da Inteligência e o colega plantonista da Delegacia de Homicídios, além de vários agentes, escrivães e papiloscopistas que trabalhavam conosco. Ao conversar com os familiares da jovem, ficamos muito comovidos.
A partir daquele instante, a nossa percepção foi de que precisávamos de algo a mais, sentimos que a Polícia Civil tinha que dar uma resposta à altura para aquele lamentável crime.
Então, dois dias depois, já iniciamos o dia com a missão estabelecida de formar a força-tarefa para a resolução de todos esses casos. Até então, só existiam conjecturas de que se tratava de um assassino em série.
Então, baixamos uma Portaria criando a força-tarefa. Sabíamos que não podíamos contar apenas com os colegas da Homicídios. Inicialmente, convocamos 70 colegas.
Dentre eles, 16 delegados, 30 agentes de polícia, 20 escrivães e quatro papiloscopistas. Essa foi a primeira composição da força tarefa. Todos abnegados, que vestem acamisa da Polícia Civil e não medem esforços para atender a sociedade.
Nosso sentimento é mais o de dever cumprido
3) A investigação é considerada modelo não só para a polícia judiciária goiana, mas para todo o Brasil. Quais foram os momentos determinantes desse trabalho?
Olha, realmente essa investigação foi um marco. Não dizemos isso com alegria, por conta do preço humano que se pagou para a produção desse resultado. Afinal, foram muitos assassinatos que ocorreram. Nosso sentimento é mais o de dever cumprido. Unimos as forças em nome de um objetivo único, que era fazer cessar aquele número de homicídios.
Foram vários os momentos determinantes, marcantes. O fato que desencadeou essa percepção da necessidade de uma ação diferenciada foi, como já disse, o assassinato da jovem Ana Lídia. A partir daí, e da composição da força-tarefa, o nível de comprometimento foi total, tanto que, ao longo de todo o funcionamento da força-tarefa, nenhuma informação importante para o trabalho investigativo chegou vazar, mesmo com o envolvimento de tantos policiais.
Tudo era tratado em grupo. Compartilhávamos as ideias e avanços. Isso permitiu que informações sensíveis não saíssem do contexto da força-tarefa. Cada colega sentiu o peso e importância da responsabilidade que carregava, e isso marcou muito e positivamente aquela investigação. Foi impressionante a participação de cada um desses setores.
Esse espírito de união e de equipe foi o que trouxe o resultado. Foi o trabalho sem vaidade, sem discórdias, com todos imbuídos na produção do resultado que, afinal, alcançamos.
A cada passo, descoberta, indício formulado, detalhe confirmado, nisso tudo nós sentíamos que estávamos nos aproximando da solução do caso. Mas houve muita pressão, legítima, por parte da imprensa e da sociedade. A cada passo, ficávamos como coração na mão mesmo, apreensivos com a possibilidade de surgir mais uma vítima.
Felizmente, da formação da força-tarefa, no dia 04 de agosto, até a prisão do Tiago, no dia 14 de outubro, não ocorreram mais homicídios. Mas, do dia 11 para o dia 12 de outubro, ou seja, um final de semana antes da prisão, ocorreu uma tentativa de homicídio de autoria dele no Jardim América.
Esse fato foi muito marcante porque, quando ele acionou o gatilho no peito da jovem, ela não disparou. Por duas ou três vezes ele acionou o gatilho, mas a arma falhou.
Serial Killer fez uma oração que os católicos chamam de ‘Maria, passa na frente.
A vítima relatou, nos autos, que, no momento da ação do serial killer, ela fez uma oração que os católicos chamam de “Maria, passa na frente”.
Na segunda-feira, dia 13, esse fato fez com que tomássemos a decisão de realmente tomar as providências para prender o serial killer, porque já tínhamos reunido muitos elementos de informação que poderiam possibilitar a sua captura. Já tínhamos tudo sobre ele, menos a identificação.
Serial Killer foi pego desprevenido
4) No briefing para organizar as equipes que iriam realizar a prisão do Tiago, o senhor afirmou que tinha certeza absoluta de que ele seria preso dentro de poucas horas, o que de fato aconteceu. De onde o senhor acredita que veio essa certeza?
Realmente eu tinha essa certeza, e nesse momento preciso testemunhar que, diante dos 140 colegas que estavam ali, essa certeza vinha da fé. Eu acredito em um Deus Maior.
Quando a Ana Lídia foi assassinada, eu fui a uma igreja, muito consternado com aquela situação. Ao fim da missa, eu procurei o padre e disse a ele: “A Polícia Civil, a sociedade de Goiás precisam da bênção do Senhor Jesus para que a gente possa prender essa pessoa que está praticando esses homicídios”.
Nesse momento, o padre estendeu a mão e abençoou toda a Polícia Civil. A partir daquele momento, eu fui tomado de uma fé muito forte e de uma certeza de que nós conseguiríamos cessar aquela onda de homicídios. Foi essa certeza que me tomou no momento daquele briefing, no dia 14 de outubro de 2014. Eu sabia que, ao sair dali, naquela operação, nós conseguiríamos o resultado.
E a graça que obtivemos foi muito maior. Eu mesmo fiquei surpreso, pois esperava que nós faríamos aquela prisão um, dois dias após o brefing, com equipes se revezando 24 horas por dia de maneira ininterrupta no encalço do criminoso para prendê-lo. Mas a piedade divina e a grande capacidade dos policiais civis.
Estamos com o homem na mão
Cerca de 20 minutos após a saída das equipes, um agente da equipe perspicaz das operações de inteligência me liga e diz: “Deusny, estamos com o homem na mão”. Era a realização de um trabalho conjunto que deu um resultado positivo para todos os que estavam ali. Toda a sociedade precisava daquele resultado.
Foi uma vitoria de todos, inclusive, das famílias das vítimas que clamavam por justiça. Após sua prisão, aquele elemento foi levado para a delegacia especializada e, com o trabalho dos competentíssimos delegados, agentes, escrivães e papiloscopistas, começou a confessar todos os seus crimes, pois os elementos de prova contra ele eram muito fortes.
5) Quatro anos depois desse trabalho, qual é o balanço que o senhor faz da evolução da PCGO como polícia investigativa?
Após esses quatro anos, que realmente foi um divisor de águas, não somente para a Polícia Civil de Goiás mas para todas as polícias judiciárias do país, eu vejo que a Polícia Civil de Goiás vem evoluindo a cada dia.
Ela tem mostrado a cada momento a qualidade e especificidade de seu trabalho e a importância desse trabalho para a sociedade. Nossos servidores tê, a cada ano, se profissionalizado e aprimorado mais.
Hoje, sou muito grato e fico muito feliz com o nível de maturidade e profissionalismo com que a Polícia Civil vem se aprimorando a cada dia se passa. E fico mais feliz ainda de ter participado dessa investigação, junto a esses colegas, que são mais que amigos. São nossos parceiros e nossos irmãos. Nossa busca é uma só: defender essa sociedade tão carente de justiça e de segurança. Um abraço a todos e muito obrigado.