Laura Lavieri sabia que o fim estava ali, mas ninguém dizia nada. Do silêncio, a angústia da cantora se alimentava. Ficou doente, ficou deprimida. Cantora de explosões vocais nos dois discos de Marcelo Jeneci (Feito Pra Acabar, 2010, e De Graça, 2013) e das turnês subsequentes e extenuantes, ela se sentia minguar. E, pequenina, Lavieri é uma explosão. Precisa se alimentar disso. “As pessoas sempre me pediam, desde o primeiro disco do Marcelo, sobre o meu próprio álbum”, ela lembra. “(O produtor e também músico Alexandre) Kassin diz até que eu demorei demais.”
Foi um processo, e sempre é, essa coisa de se lançar como artista solo. Sozinho e tal. Laura, por exemplo, viveu em um ambiente histórico e artístico, ali no início da década, no qual o compositor era quem também cantava. E quem cantava era quem compunha. Não havia tanto espaço só para compositores. Nem para intérpretes – que era o caso dela.
Com isso na cabeça, a cantora se freou até ouvir da própria Elis Regina (1945-1982), dona de um vozeirão de uma época na qual cantores podiam ser apenas cantores – e a palavra “apenas” não teria necessidade, já que cantar seria suficiente. Ao ouvir Elis tratar sobre a arte de intérprete, Laura percebeu a si mesma nessa função, de fato.
Da extinção estrelar metafórica vivida por Laura nos anos anteriores (que incluíram uma batalha contra uma doença crônica muito ligada ao sistema imunológico), veio um novo big bang ali. Renascimento, portanto, com o nome de Desastre Solar, o primeiro disco de Laura Lavieri, mesmo que os dois álbuns com Jeneci possam ser considerados dela também. Agora, contudo, é Laura quem está à frente do trabalho. E estreia o trabalho, lançado pelo selo Slap, braço ligado à música independente da gravadora Som Livre, com uma apresentação no Auditório Ibirapuera neste domingo, 14, às 19 horas.
Ao lado dela, no disco e no palco, está o grande Diogo Strausz, músico e produtor carioca, com quem ela passou a trocar ideias musicais em 2015. Um ano antes, ele havia produzido Rainha dos Raios, de Alice Caymmi, um disco de intérprete puro. Em 2016, Laura e Strausz experimentaram soltar a primeira parte da parceria entre eles, com a música Quando Alguém Vai Embora. Tratava-se de uma faixa de transição, mais conectada com os tempos de Jeneci do que com a musicalidade de Laura Lavieri do momento. “E assim começou uma jornada”, ela explica. “Tentei banda, testei sonoridade, fiz milhões de pequenos shows.”
Tão poderosa nos registros do Jeneci, Laura precisava soar como uma explosão. Seu renascimento partia disso também. Um recomeço estético, inclusive. Uma continuação do caminho iniciado com o músico amigo? Ou uma descontinuação? Ela ri, acha que vai desapontar aqueles que buscavam a Laura da época de Melhor do Que Parece.
O “desastre” do título está nisso, também. Com uma curadoria afiada, contudo, Laura cria a narrativa para a sua nova persona musical. De Respeito, faixa poderosa escrita por Sostenes Rodrigues, passando por Radical, dos Novos Baianos.
Grande acerto é a dobradinha, em sequência, com o encontro de dois mundos tão distintos (infelizmente), mas igualmente poderosos. De Gui Amabis vem Mais Um Whiskey, faixa aliás lançada por ele recentemente no seu disco Miopia, uma canção de desalento, fundo do poço, de desencontro e desamor. Na sequência, do indie ao popular, vem Deixa Acontecer, famosa pelo grupo de pagode Revelação – e cujo refrão vai grudar na sua cabeça.
Música, essa, que foi uma das primeiras de Laura para o álbum, ideia vinda em um momento de renascimento emocional dela. Enquanto chorava a saída de um relacionamento, ouviu da vizinha de prédio a canção em looping. Foi o recomeço para ela em muitos sentidos. E, Desastre Solar, afinal, é feito de recomeços.
Sem esconder-se do passado. Há, inclusive, uma canção de Jeneci e Isabel Lenza que trata justamente de caminhos percorridos. “Eu sei que na hora em que você se vestiu / Você pensou em mim / Eu vi você passando de mãos dadas no frio / Tentando não pensar em mim / Gelei olhando a curva logo te levar / Contei com meus sapatos pra me segurar”, canta Laura que, pacientemente, emenda, como se dona desses versos (é, afinal, esse o trabalho do intérprete, certo?): “E caminhei meu caminhar / E aqui cheguei cantando pra curar”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.