Aguinaldo Silva é uma figura doce, de fala tranquila e riso fácil. Pernambucano de Carpina, foi repórter policial, mas se consagrou como novelista. Faz parte do primeiro time de autores da Globo. Quando um trabalho novo do autor não está no ar, não raro, uma novela sua é reprisada na TV, como ocorreu com Senhora do Destino, que bateu recorde de audiência à tarde ao ser reexibida no Vale a Pena Ver de Novo, e com A Indomada, que pode ser revista atualmente no canal Viva. Agora, Aguinaldo se dedica a um novo folhetim, O Sétimo Guardião, próxima trama das 9, prevista para estrear no dia 12 de novembro.
A novela marca a volta de Aguinaldo ao realismo fantástico, gênero que lhe rendeu sucessos na TV, como Roque Santeiro, Pedra Sobre Pedra e a própria A Indomada. Em O Sétimo Guardião, ele retorna ao universo mágico com aquela localização geográfica já lendária em sua obra, que abrange as cidades fictícias (e só aparentemente pacatas) de Greenville, Tubiacanga e Serro Azul. A novidade agora é que Serro Azul, até então só citada em suas tramas, será cenário da nova novela.
A história gira em torno de um segredo escondido na fonte da cidade e guardado com devoção por sete guardiões: Eurico (Dan Stulbach), Machado (Milhem Cortaz), Ondina (Ana Beatriz Nogueira), Egídio (Antônio Calloni), Milu (Zezé Polessa), Feliciano (Leopoldo Pacheco) e Aranha (Paulo Rocha).
À beira da morte, o guardião-mor Egídio precisará ser substituído e seu gato, Léon, sai em busca de seu sucessor. Xodó da trama – e do elenco -, Léon (vivido por quatro gatos da raça Bombay, única que consegue ser adestrada) chega a São Paulo e escolherá Gabriel (Bruno Gagliasso), filho que Egídio não sabe existir, fruto de seu relacionamento com Valentina, interpretada por Lilia Cabral – e que promete ocupar o posto das grandes vilãs de Aguinaldo, como Nazaré Tedesco e Tereza Cristina.
O elenco conta ainda com nomes como Marina Ruy Barbosa e Tony Ramos.
Morando há três anos no bairro de Higienópolis, em São Paulo, Aguinaldo recebeu o jornal O Estado de S. Paulo na Casa Aguinaldo Silva de Artes, que ele inaugurou em abril, na Vila Buarque.
Além dos cursos livres de interpretação e de oficinas de roteiro, o espaço tem um teatro com 100 lugares. Ali, naquela sala intimista, o autor de 75 anos falou sobre sua nova novela, a polêmica envolvendo o ex-aluno de uma de suas materclasses, Silvio Cerceau, que reivindicou os direitos autorais de O Sétimo Guardião, e sobre sua vida – e negócios – em Portugal.
O Sétimo Guardião marca sua volta ao realismo fantástico. É um gênero mais popular na literatura, no cinema e menos na TV? É a percepção que você tem?
Sim, a TV é mais “realista” e, de certa forma, quem quebrou esse realismo foi o Dias Gomes. Como eu nasci no interior do Nordeste, numa cidade onde tem todas essas lendas absurdas, essas histórias de Mulher de Branco, eu tinha isso no meu imaginário. Quando me chamaram para fazer Roque Santeiro, entrei nesse universo e achei que me movimentava bem nisso. Fiz uma sequência de novelas que fizeram muito sucesso com essa linguagem. Depois, entrei meio que em crise e resolvi ser um autor realista com Senhora do Destino. Mas agora percebi que a realidade brasileira está tão extremada, que não dá para você repetir isso nas novelas. E esse universo do realismo mágico permite que, ao mesmo tempo que seja crítico em relação à realidade, você saia dela. Então, resolvi voltar a isso.
Então, você fez pensando muito nesse momento em que o Brasil está vivendo?
É, a novela tem alusões a esse momento, mas, ao mesmo tempo, ela transcorre num universo muito particular. Por exemplo, a cidade onde se passa a história não tem telefonia celular. Lá não chega o sinal. Só que, na metade da novela exatamente, chega a telefonia celular, porque a Valentina, personagem da Lilia, põe uma rede lá, porque diz que não pode ficar sem celular. Levamos 20 anos para chegar a essa revolução digital na qual a gente vive hoje, e nessa cidade isso acontece em um dia. As pessoas que não tinham internet e, de repente, se veem num mundo novo e essa cidade tem um grande segredo que precisa ser guardado. Só que, nesse novo mundo, não existe segredo.
E sempre ouvimos falar de Serro Azul nas suas novelas e nunca a vimos. Vamos ver agora…
Sim, e agora é o contrário, as pessoas vão a Greenville, a Tubiacanga, e eu trouxe personagens, por exemplo, o Ypiranga e a Scarlet, que eram de A Indomada, vividos novamente por Paulo Betti e Luiza Tomé. Mas teve um problema sério, porque o Paulo Betti foi escalado para a outra novela. Então, vou ter que tirar os dois a certa altura.
A personagem Valentina já tem até Instagram, com suas frases ácidas. Quem criou esse perfil?
É um jornalista que está fazendo. Valentina talvez seja meu personagem mais extremado, porque, neste momento em que as coisas estão meio complicadas, você não pode falar tanta coisa, ela fala tudo. Ela pode, porque é a vilã. Se fosse personagem do bem, não podia.
Você tinha anunciado a volta da Nazaré Tedesco na novela, mas Renata Sorrah pediu para deixar a personagem quietinha. Você ficou chateado?
Não, pelo contrário, achei que ela estava certa. Acho que trazer a Nazaré de volta, sem que ela tivesse o mesmo impacto que teve na outra novela, seria um erro. Os elementos que eu já tinha para o personagem, usei na trans. Porque eu também estava muito incomodado com essa coisa de trans nas novelas ser sempre muito certinho, muito bem-comportado. Acho que, quando você passa por uma transformação tão extrema, você não pode depois ficar tímido, tem que botar para quebrar. Então, eu queria fazer um personagem trans assim.
A trans que é interpretada pela Nany People?
Sim, mas que eu queria que fosse a Renata (Sorrah).
Mas entrou a questão que dizem hoje do lugar da fala, queriam que você colocasse uma trans, não?
Sim, aí falei para o Papinha (o diretor Rogério Gomes): tudo bem, me arranja uma trans que seja tão boa atriz como Renata Sorrah. Estava certo que ele não ia arranjar. Não conhecia a Nany, só ouvia falar. O Papinha me mandou um teste, vi e achei sensacional. Perguntei quem era. Ele disse que era a Nany. Falei: já está escolhida.
Queria falar com você também sobre o fato de ex-alunos de sua masterclass terem reivindicado autoria dessa história da novela.
Na verdade, ninguém reivindicou. O que houve foi uma sequência de idas de algumas pessoas que nunca foram identificadas ao que eu chamo de baixa mídia, que são os pequenos blogs e sites, mas nunca apareceu ninguém que protestasse oficialmente.
A não ser o Silvio (Cerceau)?
Pois é, e eu que estou processando ele, porque ele assinou um contrato que tinha uma cláusula de confiabilidade. Mas esse caso está na Justiça e nem posso falar sobre isso.
Nessa master, vocês chegaram então a falar desse universo do Sétimo Guardião?
Sim, tinham elementos, porque era uma novela que eu pretendia fazer. Então, fomos falando sobre isso ao longo da master, partindo de mim para eles, o tempo inteiro. A teoria eu passo na prática, eu incentivo os alunos a desenvolver certos temas que eu coloco. O desenvolvimento deles é ou não aprovado por mim. Eu já fiz uma masterclass em Portugal, quatro aqui, estou fazendo a quinta aqui, e nunca houve nenhum problema, porque os alunos sabem qual é a função deles ali e, além disso, assinam toda a documentação legal que libera o material para mim. O Silvio foi o único.
Li que os nomes desses alunos iam aparecer nos créditos da novela. É verdade?
Não sei exatamente… Quando fiz Fina Estampa, foi o mesmo sistema, foi uma sinopse que a gente trabalhou. A Globo, que não era obrigada a fazer isso, nos créditos finais do primeiro capítulo, citou o nome dessas pessoas como participantes da minha masterclass da qual saiu a sinopse. Presumo que isso vai acontecer também agora.
Sua vida está dividida entre Rio, São Paulo e Lisboa. Você pensa em ficar mais tempo em Portugal em algum momento?
Tenho negócios lá, tenho hotel, dois restaurantes (em Óbidos). Já sou português. Mas acho que um escritor não pode se afastar (de seu país). Você fica estrangeiro em sua própria obra.
Você também tem um hostel lá, certo?
Sim, em frente ao meu hotel, tinha uma casa enorme e os donos a colocaram à venda, e percebi que corria o risco de alguém abrir um pequeno hotel na frente do meu. Para evitar isso, comprei e fiz o hostel. Não tem hostel dentro das muralhas, a garotada fica durante o dia ali, mas depois sai. Decidi fazer lá dentro. Fica lotado todo dia.
Pensa em investir em mais negócios lá?
(pausa) Não, eu queria ter uma quinta para fabricar vinhos, mas me disseram que as videiras precisariam de, pelo menos, 6 anos para dar fruto. Não posso mais esperar 6 anos. Sabe aquela porta onde está escrito saída e tem uma fila? Já estou nessa fila (risos).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.