“Tá com dor? Vem aqui, eu ajudo!” É aos gritos e com os dois braços levantados que o acupunturista Rogger Florêncio, de 45 anos, tenta chamar a atenção dos romeiros que passam mancando pelo acostamento da Via Dutra em direção à Basílica de Nossa Senhora Aparecida.
São centenas em marcha a cada hora. Os apressados, mesmo com a coluna encurvada de cansaço e do peso das mochilas, agradecem com acenos de mão e desejos de bênção. Estão na reta final da peregrinação, por isso preferem seguir viagem. A tenda de Florêncio, instalada em um gramado às margens da rodovia, em Pindamonhangaba, fica a menos de 30 quilômetros do santuário.
A maioria, porém, se rende aos pés inflamados e músculos doídos. “A fé é enorme, mas a dor é demais”, comenta a dona de casa Cleide da Silva, de 44 anos, que saiu com o marido de São José dos Campos, disposta a uma caminhada de 80 quilômetros. O casal não parou nem para cochilar.
“Onde está doendo?”, Florêncio pergunta. Ela aponta para o pé e para a coxa esquerda. Em seguida, leva duas espetadas na orelha e, coisa de minutos, a fisionomia muda. “Não é que passou?!”, Cleide se espanta, flexionando a perna como se estivesse medindo a eficiência do tratamento. “Isso porque eu tenho pavor de agulha”, sorri.
De família católica, Florêncio decidiu ser voluntário para ajudar os peregrinos há três anos. “Parece brincadeira, mas eu estava assistindo TV com o meu filho e passou uma reportagem sobre romeiros”, conta. “Na mesma hora, me veio uma espécie de chamado. Aí, pensei: Se a Senhora está pedindo, quem sou eu para negar?. Estava aqui dois dias depois, com barraca e tudo.”
Na véspera da festa da Padroeira, ele sai às 7 horas de São Paulo com o carro abarrotado de garrafinhas dágua (foram 1,3 mil neste ano), cerca de 10 mil agulhas, remédios homeopáticos, estacas de madeira e 25 metros de uma lona, invariavelmente azul. “A cor serve para identificar: é o manto da Mãe Santíssima.” Embora atenda sozinho, parte dos produtos que usa é fruto de doação de amigos, clientes e fornecedores.
Florêncio é um sujeito engraçado, que gosta de conversar, contar piada e cumprimenta desconhecidos com beijos no rosto. Na tenda, o vai e vem é grande. Não passa dois minutos sem atender um fiel com técnicas de acupuntura auricular – ou seja, as agulhas são espetadas na orelha do paciente. “É um método mais rápido, as pessoas não precisam ficar deitadas”, explica. Lá, todos também recebem umas borrifadas com vaporizador dágua – para espantar o calor – e uma garrafinha com orientação para ir bebericando remédio homeopático até a chegada em Aparecida. No fim, faz a mesma despedida: “Que Deus te abençoe”.
Em São Paulo, Florêncio mantém três clínicas, uma delas em Moema, na zona sul, onde cobra R$ 85 por sessão. Para os romeiros, é gratuita. “O mais bonito é que não tem essa de ser milionário ou receber um salário mínimo; de ser homem ou mulher; branco ou negro. Aqui é todo mundo igual”, diz.
Entre os fiéis, as principais queixas são dores musculares. “Eles não estão doentes, estão extenuados. Então, aciono pontos que vão anestesiá-los.” Nesses casos, diz, os órgãos correspondentes do corpo são o pâncreas e o baço. Já para bolhas no pé, Florêncio dá uma cutucada na região da orelha ligada ao pulmão. “Na medicina chinesa, é o órgão responsável pela pele.”
Recompensa. O pagamento, segundo conta, é o sentimento de ajuda mútua entre os voluntário, a interação com os romeiros e histórias que compartilha. Na manhã de anteontem, por exemplo, atendeu um grupo todo vestido com camisetas que tinham a foto de um bebê. “O médico havia dito que os pais não podiam ter filho. E essa criança está completando 1 ano”, diz. “São histórias de superação, de curas milagrosas… Olha, eu falo e me arrepio.”
Passava do meio-dia quando o pedreiro Adail José Rodrigues, de 42 anos, encostou na tenda. Em 2015, no aniversário de um sobrinho, sofreu um acidente jogando futebol de sabão e fraturou duas vértebras do pescoço. Foram 16 dias internado, uma cirurgia e diversos alertas de que poderia ficar paraplégico. “Rezei muito para Nossa Senhora. Tenho cinco parafusos e uma placa de titânio e hoje estou fazendo a romaria. Foi um milagre.”
Em conversa com Florêncio, o farmacêutico Robson Silva, de 39 anos, se pôs a chorar. “Quando tinha 2 anos, minha filha caiu da laje de casa: uma altura de 7 metros”, conta o fiel, que saiu de Guarulhos, a 150 quilômetros, na segunda-feira. “Não aconteceu nada, nada com ela.”
Na rodovia, não se percorre mais de 100 metros sem cruzar por uma tenda de voluntários, com distribuição de comida e água. “É uma grande corrente do bem”, diz Florêncio. “Como se todos fossem de mãos dadas até Aparecida.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.