Em dezembro de 2009, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, foi chamado a contragosto de muitos correligionários para uma reunião com o comando do PT em São Paulo. Na sala, Haddad contava em poucos dedos os que lhe prestavam algum apoio. De um lado, o então presidente da sigla no Estado, Edinho Silva. Um pouco atrás, o deputado estadual Simão Pedro. O encontro era parte de uma rodada com potenciais candidatos ao governo de São Paulo. Haddad só entrou na lista porque o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu.
Desconfortável no papel, Haddad sabia que a maioria ali já tinha desenhada uma nova candidatura de Aloizio Mercadante ao Palácio dos Bandeirantes. Sabia ainda que Marta Suplicy brigaria pela vaga. Mesmo assim, não escondeu sua disposição de disputar. Disse que a sugestão partiu do próprio Lula, mas que o então presidente reconhecia que lhe faltavam “as garrafas vazias para vender”. A menção ao velho provérbio português pelo qual os jogadores apresentam seus trunfos na hora da decisão fazia referência à absoluta falta de experiência de Haddad nas urnas. Diplomático, Haddad terminou dizendo que enxergava em Mercadante e Marta melhores alternativas.
Quase uma década depois, Marta deixou o PT e Mercadante submergiu depois de se ver às voltas com a Operação Lava Jato. Outros nomes tidos como presidenciáveis dez anos atrás, como Antonio Palocci, também ficaram pelo caminho. Assim, no mesmo PT paulista que o rejeitou uma década antes, Haddad terminou sendo o único a ter garrafas vazias para vender. E, quando chegou o momento de Lula escolher um substituto, a saída de cena do ex-governador da Bahia Jaques Wagner – que optou pela eleição praticamente certa para o Senado – alçou definitivamente o ex-prefeito à condição de candidato à Presidência.
Quem conviveu com o Haddad que tentava angariar garrafas em 2009 diz ver muita diferença em relação àquele que hoje disputa a Presidência. Com o passar dos anos, ele abandonou o figurino de cria do ex-ministro Tarso Genro, de quem foi secretário-executivo no Ministério da Educação. Também afastou-se progressivamente dos signatários da Mensagem ao Partido, texto em que Tarso propôs a refundação do PT e que seu pupilo só não assinou porque Lula pediu. Ano após ano, Haddad moldou-se para ser aceito pela mesma ala majoritária que o rejeitou em 2010. Até que, em junho passado, aderiu formalmente à corrente Construindo um Novo Brasil, maior expressão desse grupo, que já deu abrigo a nomes como José Dirceu e Antonio Palocci.
De lá para cá, Haddad cercou-se de nomes como o atual tesoureiro da campanha, Chico Macena, e o secretário de Finanças do PT, Emidio de Souza. Este último, aliás, chegou a rivalizar com Haddad a indicação de pré-candidato ao governo paulista naquela mesma reunião de 2009, mas hoje é tido como “sombra” do presidenciável. Macena e Emídio dividem espaço nas reuniões da coordenação da campanha com nomes como o próprio Mercadante, os ex-presidentes do PT Ricardo Berzoini, José Genoino e Rui Falcão, os ex-ministros José Sérgio Gabrielli, Luiz Dulci e Gilberto Carvalho, todos ligados à ala tida como mais pragmática no PT.
Nas ruas
Haddad mudou as companhias e também o estilo de fazer campanha. Na época em que tentou se reeleger no comando da capital paulista com altos índices de rejeição, o petista era criticado por ser um “prefeito de gabinete” e não visitar a periferia. Nas agendas de rua, culpava seu desempenho pelo baixo gasto em publicidade durante a gestão e, em plena Lava Jato, se recusava a fazer comentários sobre o PT e o ex-presidente Lula. “Nos sentíamos sozinhos”, confessa a ex-primeira dama da cidade Ana Estela, para quem agora “o momento é outro”.
Desta vez, Haddad literalmente vestiu a camisa do PT e de Lula. Não abandonou a camisa social bem cortada de mangas dobradas que sempre marcou seu estilo, mas acostumou-se a deixa-la aberta, sobre uma camiseta com o rosto do ex-presidente estampado. Em geral, o look era complementado com uma calça jeans – uma delas, cinza, foi usada em boa parte dos compromissos de rua.
Em São Paulo, de onde saiu derrotado já no primeiro turno ao tentar se reeleger em 2016, Haddad tratou de cumprir agenda nos extremos da cidade, em uma espécie de acerto de contas com a periferia. Ao pedir votos, falava mais das ações de Lula no governo federal e de Marta Suplicy – com quem, aliás, nunca teve muita afinidade. Nas conversas com comerciantes, lembrava que o pai foi lojista, numa tentativa de se desvencilhar da fama de ser “o mais tucano dos petistas”, bordão que embalou boa parte do fogo amigo contra ele na legenda.
Em busca do voto histórico do PT, Haddad seguiu fielmente o script desenhado por seu padrinho político. Nos comícios, passou a fazer discursos com mais entusiasmo, incorporou frases do ex-presidente – como “se eu já estava com vontade de ganhar, agora estou com muito mais vontade” – e até imitou a voz de Lula em Florianópolis.
Fogo amigo
Ainda assim, para muita gente dentro do PT, Haddad nunca foi a primeira opção para disputar a Presidência. Não faltavam petistas fazendo coro para o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que se encarregam até hoje de fazer circular a versão de que o hoje candidato ao Senado foi convidado por Lula para disputar a Presidência, mas declinou.
O próprio Wagner, quando narra a conversa que teve com o ex-presidente, diz que ele próprio insistiu que era hora de renovar. “Sem contar que eu tenho um estilo muito parecido com o Lula, o que não é o ideal neste momento”, contou Wagner já quase na reta final do primeiro turno, enquanto passava a mão pela barba branca.
Haddad fez o que pôde para combinar seu próprio estilo ao do eleitor histórico de Lula. A pedido do ex-presidente, foi a portas de fábricas no ABC paulista antes de ser oficialmente candidato na cabeça de chapa. Ao cumprimentar os metalúrgicos, apresentava-se como “Fernando” e chamava cada operário de “parceiro”.
Na primeira fábrica, chegou de camisa social e jaqueta e foi orientado a vestir a jaqueta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC por cima. Mais tarde, tirou a peça. Na hora do café no bar, recusou o pão na chapa e pediu um com queijo derretido. “Eu gosto assim”, justificou.