Em sua primeira visita ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp, a estudante Isabella Mendes, de 18 anos, confessa: parou para tirar foto na obra Cristo Abençoador, de Jean-Auguste Dominique Ingres, por ter visto diversos amigos fazendo o mesmo nas redes sociais. “Virou um meme.”
Em apenas 20 minutos na frente do quadro, a reportagem observou cerca de 15 pessoas fotografando a pintura de 1834. Muitas imitavam o gesto de Jesus, com as mãos para cima e olhos revirados. Simbolicamente, o gesto era de bênção, mas, nos dias atuais, o olhar ganhou um novo significado, de tédio ou desprezo. “É diferente ver Jesus desta forma, meio cômica”, afirma o estudante paranaense Felipe Freitas, de 23 anos.
Para o Masp, essa onda de selfies em frente às obras é positiva. “Não é algo que necessariamente estimulamos, mas que acontece naturalmente”, afirma o curador-chefe do museu, Tomás Toledo. “Enxergamos como uma forma de aproximação dos visitantes com as obras de arte. É a oportunidade de um primeiro contato que pode ser aprofundado.” O museu constantemente publica, em suas redes sociais, fotos feitas pelo público. Tomás lembra que o hábito não é algo novo, no próprio acervo do museu há um registro da década de 1950 de um visitante imitando a pose do quadro Retrato de Leopold Zborowski (1916-19), de Amadeo Modigliani. As redes sociais, porém, potencializaram o movimento.
Bastou uma foto da cantora Katy Perry, em visita ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC), deitada no gigante gato da obra Um Amor sem Igual, de Nina Pandolfo, para que seus fãs, de vários lugares, começassem a demonstrar, nos comentários das fotos, interesse de conhecer o museu pessoalmente. “Precisamos ir lá”, diziam vários seguidores. Segundo o diretor, o professor Carlos Roberto Brandão, o gato é um atrativo, apesar de não ter sido colocado lá por isso. “É o mesmo das pessoas que vão ao MAC pela vista do terraço. Elas passam pelo museu. O desafio é fazer com que fiquem.”
Likes. Se o público quer ganhar mais curtidas nas redes, alguns museus internacionais já pensam em como se adequar. Em Nova York, há cerca de dois anos, foi inaugurado o Museu do Sorvete, cujas obras imersivas foram criadas justamente para serem fotografadas para o Instagram. No Brasil, ainda não há um museu de arte especializado, mas, recentemente, uma exposição temporária num shopping de São Paulo, a FunCast, foi feita com o objetivo.
Sabendo, porém, do desejo do público, algumas exposições que estão em cartaz possuem espaços especiais para fotos. Na entrada do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, o público pode fazer selfies num gigante cubo que reproduz azulejos famosos do artista Athos Bulcão, numa mostra sobre sua obra. Ao final da exposição Irving Penn: Centenário, no Instituto Moreira Sales, também em São Paulo, os visitantes podem se fotografar num espaço semelhante ao canto em que Penn registrou nomes como Truman Capote.
Mas, nos principais museus e eventos de arte em São Paulo, a tendência parece deixar o público eleger seus espaços. Para a Bienal deste ano, o curador-geral, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, confessa não ter pensado em locais para fotos. Na campanha publicitária do evento, inclusive, a proposta é se desligar do virtual. “A Bienal tem uma proposta de desaceleração, mas temos que aceitar que é inevitável, uma guerra que vamos perder. Então, estamos com algumas tentativas de incorporação.” Além de atividades com o educativo, a Bienal conta ainda com o trabalho do artista Bruno Moreschi, que convida o público a enviar fotografias para um site, para que sejam utilizadas num projeto que envolve inteligências artificiais. A Bienal é gratuita e, para Pérez-Barreiro, o único problema de qualquer mostra pensada para selfies seria o viés capitalista. “Se é só para vender ingressos, sou contra.”
O Masp não pretende adotar medidas curatoriais para favorecer selfies, mas tem ajustado sua iluminação. “A selfie pode ser uma porta de entrada para um interesse maior sobre uma obra”, diz Toledo. Na Pinacoteca, a curadora-chefe, Valéria Piccoli, compartilha dessa ideia. “Sou reticente com isso dentro do circuito da exposição, mas, se nós vermos alguma coisa bem feita em outro museu, podemos nos convencer de que é um caminho”, afirma. Segundo Piccoli, a questão ainda é nova e as instituições estão aprendendo a reagir. “Mas é bacana, cada um tem que criar a própria experiência.”
No MAC, o diretor do museu afirma que tem estudado como incorporar a questão. “É um fenômeno mundial.” Brandão acredita que atrativos são positivos. “São estratégias para tornar a expografia atraente. A questão da selfie é nova e faz sentido, não vejo demérito.” Ele tem, no entanto, questionamentos quanto às fotos. “O que se pode criticar é o caráter efêmero das selfies.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.