Quando Yunpeng Wang era um adolescente, a ópera parecia um mundo distante. “Só havia uma companhia chinesa, que cantava Mozart, Rossini, Verdi, tudo em chinês. Cantar ópera era uma possibilidade remota. Nos anos 1990, o gênero não havia sido reconhecido como algo que podia fazer parte da cultura chinesa”, ele lembra.
Desde então, o quadro mudou consideravelmente Wang é um dos 11 cantores chineses que, nos últimos anos, integraram os concorridos programas de formação de casas de óperas como o Scala de Milão e o Metropolitan Opera House de Nova York – casos que dificilmente podem ser considerados isolados, e que apontam para uma importância cada vez maior da música clássica e da ópera dentro do país.
A partir do dia 12, Wang canta na produção do Teatro Municipal de São Paulo de Pélleas et Mélisande, de Debussy. Antes disso, nesta segunda, 1º/10, sobe ao palco do Teatro Sérgio Cardoso a Orquestra Zejhiang, para concerto com um time de solistas que inclui a soprano chinesa Wang Ying e o tenor brasileiro Giovanni Tristacci e tem regência do maestro Francis Kan.
Amanhã, é a vez da pianista Yuja Wang fazer recital na Sala São Paulo, pela Cultura Artística. Estrela internacional, Wang é conhecida tanto pelas interpretações arrojadas quanto pela ligação com o mundo da moda. E, nos dias 11, 12 e 13, o violinista Ning Feng sola com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – que pretende, com ele como convidado, realizar uma turnê chinesa no ano que vem.
Os números são claros. Há hoje na China cerca de 40 milhões de estudantes de piano, 10 milhões alunos de violino. Segundo dados da Associação Musical da China, os principais conservatórios do país costumam lidar com filas de espera de 200 mil candidatos. A indústria fabrica e vende 1 milhão de violinos por ano e 6 milhões de violões.
Nos últimos dez anos, surgiram cinco grandes casas de óperas e salas de concertos e elas não param de ser construídas: em 2019, será inaugurada a Sala da Filarmônica Chinesa, em Xangai. Mais: a Juilliard School of Music, uma das principais escolas de música do mundo, sediada em Nova York, inaugura também no ano que vem uma filial chinesa de 350 mil m² em Tianjin.
“A Revolução Cultural afastou o país da cultura ocidental, mas a partir do final dos anos 1970 houve uma reaproximação”, informa Yupeng Wang. “Mas demorou para que a música clássica ganhasse espaço de fato, para que o país percebesse que o gênero poderia fazer parte da nossa tradição”, explica. “Se comparamos o cenário atual com o de 20, 30 anos atrás, o que vemos é um número maior de orquestras, de salas de concertos. Não há dúvida de que a música clássica está se tornando cada vez mais popular. E entre os compositores, há uma mistura que vem do uso de técnicas ocidentais com elementos chineses”, afirma ainda Kan.
Ning Feng deixou a China na adolescência, com destino a Londres, onde estudou na Royal Academy of Music. Yuja Wang, por sua vez, mudou-se aos 14 anos para os Estados Unidos, fixando-se na Filadélfia, onde teve aulas no Curtis Institute – e diz que sua lembrança principal no país natal era a de um ambiente “altamente competitivo”.
Com 15 anos, Yunpeng Wang chegou a Pequim vindo de Shenzen, para estudar no conservatório nacional, na época a única escola capaz de oferecer formação de excelência a um artista que, depois de ouvir os Três Tenores, resolveu deixar de lado a música folclórica chinesa para cantar ópera. “Esse quadro mudou muito rápido, em menos de vinte anos, e isso me parece espantoso”, conta o barítono. “Além do fato de que hoje temos acesso a um legado incrível de gravações dos maiores artistas da história, uma tradição com a qual podemos nos identificar e com a qual aprendemos. Não se trata de copiar, mas de compreender. E acho que dá para falar já em um estilo asiático de canto, mais delicado, claro”, completa.
Yunpeng está com 35 anos; Feng, com 36; e Yuja, com 31. São todos representantes dessas primeiras novas gerações formadas à luz de uma nova realidade cultural. “Um dado fundamental é perceber que a certa altura alguns grandes talentos começam a voltar para a China após estudar no exterior, e isso leva a uma nova realidade do ponto de vista da formação”, diz Kan. “Nosso grande desafio é hoje escolher entre tantos jovens talentosos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.