Em abril, todos os pertences de Hassan Khuder, de 20 anos, cabiam em duas mochilas com pouca roupa, com as quais desembarcou em Paris, sem teto, sem destino e sem dinheiro, mas com um objetivo: deixar para trás o horror da guerra na Síria. Cinco meses depois de cruzar o Mediterrâneo, o jovem estudante originário de Idlib foi instalado em um centro de acolhimento para candidatos ao asilo em Narbonne, no sul da França, onde agora trabalha, estuda francês e aguarda a resposta do pedido de refúgio que fez ao Ministério do Interior.
Se quiser viver em território francês, Khuder terá de se submeter às novas regras do Contrato de Integração Republicana (CIR), revistas pelo governo de Emmanuel Macron e que ampliam as exigências para forçar a integração dos estrangeiros.
Assim como a França, vários países na Europa estão mudando sua maneira de lidar com imigrantes e ampliando o rigor das exigências impostas aos que decidam criar raízes na Europa. Nos anos 60, países europeus abriram suas portas aos imigrantes estimulando que pessoas das mesmas nacionalidades, que compartilhavam a língua de origem, a religião e os modos de vida vivessem reunidos nos mesmos bairros ou cidades.
Esse modelo de integração, denominado “comunitarista”, muito difundido nos EUA e no Reino Unido, era então considerado por acadêmicos e por autoridades públicas como a forma mais moderna de integração por acreditar que culturas diferentes poderiam coexistir em uma sociedade sem conflitos, rejeições ou isolamentos.
Mais de 40 anos depois do início da experiência, cientistas políticos e sociais e membros de ONGs ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo fazem uma mesma constatação em diferentes países da Europa: o comunitarismo deu origem a novos “guetos”, bairros com grande presença de população de origem estrangeira, marcados pela pobreza, pelo desemprego, pela desigualdade de gênero, pela radicalidade religiosa, pela criminalidade e, em casos extremos, pelo jihadismo.
“O sistema comunitarista está em declínio. O multiculturalismo na Europa não se sustentou no longo prazo. Ele funcionou para a primeira geração, mas não após”, entende Olivier Roy, cientista político e diretor do Programa Mediterrâneo do Instituto Universitário Europeu de Florença, na Itália. Especialista em terrorismo, Roy diz que o isolamento de fatias da população foi e continua a ser fonte de desemprego, miséria e de radicalismo.
Com a onda de atentados terroristas que se acelerou a partir de 2015, grande parte dos quais cometidos por europeus de origem estrangeira, vários governos de países da União Europeia decidiram apertar as regras de imigração, exigindo que os que chegam ao continente façam esforços do integração até serem “assimilados” pela sociedade local. Só nos últimos três meses, três países mudaram suas leis.
A transformação mais suave, segundo Roy, está acontecendo na França. Em junho, o governo francês alterou as regras do Contrato de Integração Republicana (CIR), o documento que estrangeiros precisam assinar, prometendo aceitar os “valores” do país enquanto nele permanecerem. A nova lei que estabelece os pré-requisitos para a concessão de vistos de residência a imigrantes dobrou a carga horária de estudos de língua francesa – mínimo de 400 horas, podendo chegar a 600 horas -, e de formação cívica, curso no qual os estrangeiros recebem informações sobre a Constituição e sobre o Estado laico, a separação entre a religião e o poder público.
Além disso, tem de se submeter a acompanhamento na legalização de sua situação burocrática e passar por programas de orientação profissional. O objetivo é combater o desemprego entre imigrantes – só 35% deles têm empregos após cinco anos na Europa, uma fonte de isolamento social.
Esse é o programa ao qual jovens como Khuder estão sendo submetidos. Depois de fugir da guerra na Síria, de viver três anos na Argélia e de ingressar de forma clandestina na Espanha, escondido em um caminhão, o ex-estudante de odontologia realiza o sonho de “viver tranquilo”, longe do conflito armado, dos corpos dilacerados e dos amigos mortos. “Hoje estou muito bem. Em me mudei de Paris para Nardonne, uma pequena cidade a 7 horas da capital. Ainda não tenho o visto definitivo, mas sou candidato a refugiado, me deixam ficar no país e estou trabalhando”, contou o jovem.
Outro estrangeiro que já vive as novas regras de integração é o afegão Nassrullah Youssoufi, de 25 anos. Na França desde outubro de 2015, quando atravessou o Oriente Médio e a Europa a pé em meio à crise imigratória, o jovem hoje fala francês fluente, obteve uma vaga na Faculdade de Direito em uma universidade de Paris e demonstra ter absorvido valores políticos importantes no país, como a separação entre religião e o Estado.
“Escolhi a França antes de mais nada porque era um país laico. Aqui podemos nos integrar mais facilmente à sociedade, e eu me sinto bem integrado. Se não fosse o status de refugiado, me sentiria perfeitamente francês”, diz o jovem, que aguarda sua legalização.
A integração, porém, ainda é um assunto distante para milhares de outros estrangeiros recém-chegados que, por opção ou por medo de serem expulsos, ainda vivem em acampamentos improvisados ou vagam por grandes cidades vivendo de pequenos trabalhos eventuais.
“A integração ainda é muito complicada, e não é por falta de tentativa ou desejo de se integrarem. Para ser reconhecido como refugiado, é preciso passar por processos burocráticos que levam na prática seis meses. Só então os imigrantes começam a se integrar e ser acolhidos. Para trabalhar são necessários pelo menos 18 meses. É longo demais”, reclama Olya B., de 35 anos, conselheira em inserção profissional que trabalha há dois anos e meio como voluntária distribuindo alimentos na região de La Chapelle, em Paris. “A maior parte dos estrangeiros é menor de idade e dorme na rua. Isso cria um temor nos moradores da cidade. Havia da ‘selva’ em Calais, mas há uma selva escondida em Paris.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.