A matriz de todas as vozes. O efeito Angela Maria na história da música brasileira foi avassalador a partir do momento em que a Radio Mayrink Veiga, em um primeiro momento, e a Rádio Nacional logo depois passaram a propagar sua voz pelas casas do País. A Era do Rádio pulsava em alto volume e as vozes de Angela e Cauby naqueles meados da década de 1940 seriam definidoras de um canto que moldaria as gerações seguintes.
As entrevistas com cantoras e cantores feitas por anos e os ofícios de biógrafo atestam um fato. Angela Maria foi a conversão, o susto, o primeiro arrebatamento de todas as intérpretes que mais tarde criariam suas próprias escolas. Elis Regina a imitava na juventude, e levou os trinados e a empostação logo para seu primeiro disco, Viva a Brotolândia. Gal e Bethânia a conheceram na mesma época e da mesma forma. Sua matriz transbordou ao gênero e os homens também a adotaram. Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Caetano Veloso. Ser invadido por Angela não era necessariamente cantar empostado, mas deixar-se invadir por uma interpretação de entrega que nem a dinamitação do canto grande promovida pela bossa nova venceria.
Os anos trariam novas referências, mas nenhuma contornaria a contaminação empírica à qual qualquer voz emitida para cantar em português estaria exposta. Em 1955, seu disco seminal, A Rainha Canta, mesmo sob a limitação técnica da época, trazia um timbre que transpassava famílias reunidas nas salas de casa, em torno dos aparelhos. Angela tinha em apenas uma canção a ternura e a força.
‘Escuta’, uma das interpretações que a firmava a partir de 55, era uma aula de canto gratuita para quem começava, como Elis, a se aventurar. Era a doçura exausta da mulher dominada pelo cansaço diante do amor que não será seu para que tudo termine em um vibrato de desabafo longo e cortante.
Mil anos se passaram e Angela, em 2017, gravou um álbum com músicas de Roberto e Erasmo Carlos. Sua voz já tinha o peso da vida interpretada na realidade, a glória e o sofrimento, os amores e as perdas de muitos homens. As letras de Roberto e Erasmo eram os últimos veículos de sentimentos que a alimentaram por uma vida. “Preciso lembrar que eu existo, que eu existo…” “Por que me arrasto a seus pés, por que me dou tanto assim…” “Já está chegando a hora de ir, venho aqui me despedir e dizer… O meu coração aqui vou deixar, não ligue se acaso eu chorar, mas agora, adeus.”
Angela, como seu amor maior Cauby Peixoto, partiu íntegra em seu canto e fiel a cada frase de amor que a fez gigante.