Antonio de la Torre, que interpreta o ex-presidente do Uruguai, José ‘Pepe’ Mujica, em Uma Noite de 12 Anos, não se surpreende nem um pouco com a acolhida entusiástica que o filme do argentino Alvaro Brechner teve nos festivais de Veneza, San Sebastián e Biarritz. “Estamos vivendo tempos muito cínicos, de um apelo muito grande ao egoísmo e ao individualismo. As pessoas de bem se tocam com nossa fábula de resistência, sobre a força que pode ter unido o povo.” E De La Torre comenta a emoção que teve o próprio Mujica – “Depois ele nos contou como havia sido forte, para ele, reencontrar ‘su vieja’, a velha mãe. Disse que, mais que a ele e seus companheiros, o filme era um tributo à força das mães. Se não fosse a dele, Mujica não tem certeza de que teria sobrevivido.”
Uma Noite de 12 Anos estreia nesta quinta nos cinemas brasileiros. O filme é uma coprodução entre Uruguai, Argentina, Espanha e França. Será o representante uruguaio no Oscar e no Goya, concorrendo a uma vaga no primeiro com o brasileiro O Grande Circo Místico, de Cacá Diegues, também uma coprodução com a França, e no segundo com Benzinho, de Gustavo Pizzi. Uma Noite de 12 Anos reconstitui o longo cativeiro a que foram submetidos Pepe Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro. Dirigentes do movimento guerrilheiro de Libertação Nacional Tupamaros, foram detidos em setembro de 1973 e mantidos reféns durante 12 anos – a longa noite do título – em diferentes prisões militares.
Na verdade, na maioria das vezes nem eram prisões, mas poços ou celas minúsculas, nas quais o confinamento, somado a maus-tratos físicos, visava a quebrar psicologicamente a resistência desses homens – enlouquecê-los. “Não enlouqueça”, diz a mãe. Resistiram a tudo – fome, incomunicabilidade – para sair em 1985, convertendo-se em referências dentro da Frente Ampla. Rosencof virou escritor e dramaturgo, Huidobro foi senador da República e Pepe Mujica, presidente. Será interessante, para o espectador, comparar Uma Noite de 12 Anos com a nova versão de Papillon, que deve estrear na próxima semana.
Outra fábula de resistência, mas agora os personagens não são mais guerrilheiros, lutando por uma ideologia, ou um ideal, e sim criminosos. Traído, e acusado de assassinato de um policial, Papillon é enviado para uma prisão na Guiana Francesa, da qual se espera que não retorne. Dentro da cela, sua atitude é a mesma de Pepe Mujica – medir, em passos, o tamanho do cubículo em que está confinado, e estará, sabe-se lá por quanto tempo. A partir daí, o inquebrantável Papillon vai tentar fugir. Ligado a outro prisioneiro – Louis Dega -, se manterá leal a essa amizade como Pepe e seus amigos são fiéis à causa. Uma Noite de 12 Anos termina com a celebração – o povo, unido…
Por terrível que seja a história – o diretor diz que fez a sua versão de Uma Estação no Inferno -, ela tem respiros de solidariedade que comovem. A personagem de Soledad Villamil, a médica que ajuda Mujica. Ou o caso de Rosencof/Darín, que se liga ao carcereiro. Olha o spoiler – o cara nutre uma paixão nada secreta por uma dama, e ele passa a escrever cartas apaixonadas pelo outro. Reencontram-se anos mais tarde, quando nosso homem volta ao cubículo. E…? O guarda mostra a aliança.
E acrescenta – “Mas ela (a mulher) reclama que eu não escrevo mais cartas românticas.” O episódio tem um quê de O Carteiro e o Poeta, o belo filme do inglês Michael Radford com Massimo Troisi, inspirado num episódio da vida do poeta Pablo Neruda.
“Não tem nada a ver”, diz Brechner. “Baseei-me no livro que Rosencof e Huidobro escreveram, mas também fiz longas entrevistas com os dois, com militares, com familiares de presos políticos, especialmente as mulheres. Pepe (Mujica) é particularmente devotado ao papel de sua mãe nessa história, mas minhas conversas com mães e mulheres de presos me ajudou a aprofundar uma ideia que já tinha. Afinal, é impossível ser argentino sem conhecer as ‘madres de Mayo’, mas em toda parte a luta das mulheres foi a mesma. Guerreiras em defesa das famílias.” A par dessas passagens emocionantes, o filme tem outras engraçadas, se é que se pode considerar engraçada a tentativa de um dos presos de defecar, o que as algemas impedem. O soldado que o acompanha chama um superior, que não sabe como resolver o imbróglio. Chama seu superior, que chama o dele – o Exército é uma cadeia de comando – e, de repente, todo o quartel está reunido em frente à latrina.
Divertido? “Para mim, essa é uma história sobre a capacidade humana de superação. E eu com certeza tinha muito mais histórias para contar – centenas de anedotas e casos. Um dos mais emocionantes não conseguiu colocar no filme, exceto, talvez, de forma um tanto enviesada. O trio ficou preso em 45 lugares diferentes, ia de um lado para outro. Num desses translados, de olhos vendados, ouviam um jogo no rádio do transporte militar. E eles queriam que a viagem nunca terminasse, para chegar ao fim do jogo. Essa história tem um fundo político, claro, mas é sua humanidade que conquista. Em Veneza, assistimos todos juntos ao filme pela primeira vez – atores, a equipe toda. Nos abraçamos e choramos. E, de repente, na sala de 1.600 lugares, o público não parava de aplaudir. As pessoas choravam também. São momentos que marcam para a vida.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.