A ideia surgiu em 2009, quando João Fonseca dirigiu uma montagem de Gota DÁgua que contava com Claudio Lins: de uma conversa entre eles, o encenador sugeriu, por acaso, que o ator e compositor transformasse em musical uma das grandes peças de Nelson Rodrigues, O Beijo no Asfalto.
No primeiro momento, não frutificou, mas Lins persistiu e, um ano depois, apresentou a Fonseca uma linha melódica do que poderia ser o espetáculo. O diretor aprovou e o resultado chega finalmente a São Paulo, no Sesc Vila Mariana, em curta temporada – entre hoje, 26, a domingo, 30.
Ao longo de quatro anos, Lins fez inúmeras pesquisas sobre a sonoridade musical do Brasil dos anos 1950 e 60, período em que se passa a trama – é preciso lembrar que a primeira encenação de O Beijo no Asfalto aconteceu em 1961, no Rio. Sua intenção era principalmente recuperar a melodia de marchinhas e sambas-canção que combinassem melodicamente com a Bossa Nova. O resultado são 20 canções, das quais 15 serão apresentadas no palco tanto ao vivo, por uma banda, como também usando bases pré-gravadas e samplers, que ao mesmo tempo modernizam a sonoridade e lembram o som dos rádios da década de 1960.
“Não foi um trabalho fácil, uma mistura de inspiração e muito de transpiração”, comenta Lins, em material divulgado pela assessoria de imprensa. Ali, ele conta também que, durante o processo, acabou descartando diversas canções que, depois de finalizadas, não se adequavam ao tema. Cauby Peixoto, Tito Madi, Vicente Celestino (que era um dos favoritos de Nelson Rodrigues), Orlando Dias, Roberto Silva, Nelson Gonçalves, Anísio Silva, entre outros, foram fonte de inspiração. “Especialmente Dolores Duran, cujo universo se encaixa perfeitamente com as personagens de Nelson. A Bossa Nova estava nascendo, mas definitivamente ela não representa as personagens rodriguianas, que geralmente são suburbanas e simples”, completa Lins. As novas músicas, aliás, serão intercaladas com trechos de algumas canções de época, cujas sonoridades ou temas são semelhantes, numa espécie de mash up.
O Beijo no Asfalto foi escrita por Nelson em 21 dias, depois de insistentes pedidos de Fernanda Montenegro, em fins de 1960. O dramaturgo inspirou-se na história de um antigo repórter de O Globo, Pereira Rego, que foi atropelado por uma arrasta-sandália (espécie de ônibus antigo), no Largo da Carioca. Ao se ver no chão, próximo da morte, Pereira Rego pedira um beijo a uma jovem que se debruçara para socorrê-lo.
Na peça, Rodrigues faz o atropelado pedir o beijo a um homem chamado Arandir (Claudio Lins), ato presenciado por um repórter da Última Hora. Dividido em 13 cenas que simbolizam a paixão cristã de Arandir, o texto é um ritual de morte do personagem, perseguido no trabalho e sob a suspeita da mulher e do sogro. Quando a história começa a esfriar, o repórter da Última Hora transforma o caso em um crime e reúne indícios para provar que Arandir empurrara o sujeito para baixo do lotação. A cidade inteira acredita no homossexualismo de Arandir, até sua mulher.
“Como musical, a peça, que já foi montada de diferentes formas, ganha agora uma nova cara”, diz Fonseca.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.