José Alvarenga Jr. gosta de dizer que foi escolhido para fazer o filme sobre Eder Jofre, 10 Segundos para Vencer. “Quem deveria dirigir era o Rogério Gomes, Papinha. Mas ele foi escalado para dirigir uma novela e teve de desistir. Quando ligou para o presidente da Globo Filmes, Édson Pimentel, para anunciar que estava caindo fora, ocorreu de eu estar na sala com ele. E o Pimentel me perguntou – “Você dirige? Na hora!” A essa altura, Daniel de Oliveira já estava supercomprometido.
“O Daniel queria fazer o filme. Como ele diz, teve um momento de iluminação e decidiu que tinha de interpretar o Eder. E eu entrei nessa história. Na verdade, o Eder sempre fez parte da minha vida. Meu pai o adorava e me lembro de passar bons momentos com ele assistindo às lutas pela TV. Só que essa memória não bastava. A partir do momento que aceitei (dirigir o filme), comecei a lição de casa. Fui conhecer o Eder e a família dele, pesquisei.”
O filme 10 Segundos para Vencer estreia nesta quinta, 27, em salas de todo o Brasil. Não está sendo, em números, um ano muito bom para o cinema brasileiro. Mesmo blockbusters anunciados, como O Candidato Honesto 2, de Roberto Santucci, com Leandro Hassum, foram muito mal de público. O filme ‘do Eder’ estreia com a chancela da Globo Filmes. É bom, bem dirigido, elenco espetacular – não apenas Daniel de Oliveira, mas também Osmar Prado, que faz seu pai, Kid Jofre, está irretocável. Prado venceu o Kikito de melhor ator em Gramado, e o filme somou mais um prêmio de interpretação – melhor coadjuvante para Ricardo Gelli.
Alvarenga Jr. só tem elogios para seu elenco. O repórter, que gosta muito do filme, provoca. Daniel é intenso, revela, o que, em princípio não teria, o physique du rôle, mas o sotaque… “Pois o sotaque o Daniel incorporou com o próprio Eder. Essa coisa de sotaque é interessante – o Osmar inventou um Kid que é dele. O cara era argentino, enrolava um espanhol com italiano. O Osmar fez um Kid dele e só ouço elogios.” O repórter elogia a atriz que faz a mulher de Eder, Keli Freitas. “Tá vendo? Ela é mineira, começou cedo no teatro, no Rio. Não teria nada a ver com a mulher do Eder, mas eu banquei porque achei que a Keli tinha o temperamento. E você taí elogiando…”
O roteiro é original. “Não partimos de um livro, uma reportagem. Mas é claro que tivemos referências. O (Ugo) Giorgetti tem um documentário maravilhoso sobre o Eder, Quebrando a Cara. E o próprio Eder colecionou muito material, gravações de TV. Ele sempre foi um cara comunicativo, popular. A mídia da época o adorava. Uma luta do Eder faturava como show. E ele tinha uma força, um apelo popular muito forte. Então, era importante que isso estivesse no filme. De cara pintou que o conflito principal devia ser do Eder com o pai. O sonho de ser um grande pugilista era do Kid ou do próprio Eder? Tudo isso foi alimentando nosso roteiro. Mesmo quando conta uma história real você fantasia. Pode ser por necessidade dramática. O que não dá é para trair a história que você está querendo contar, nem o personagem.”
E Alvarenga Jr. conta – “A gente sabia que não tinha orçamento para reconstituir as cinco lutas principais do Eder. Só a luta dele com o (Joe) Medel nos EUA exigiu uma preparação insana. Foram sete meses de computação gráfica para criar aquela arena, com público de 50 mil pessoas. Foi tudo no chrome. Nada existia de verdade. Sabendo disso, resolvemos concentrar. Duas, três lutas reconstituídas com todo cuidado e precisão. E no resto utilizamos material de época. Eder era tão pop que as lutas dele eram material importante para o Atualidades Atlântida, então sabíamos que era um material muito rico, com o qual podíamos contar. Naquele tempo, as lutas não eram ao vivo, exceto no rádio. Recuperamos esse material e dá uma autenticidade muito grande.
Eram outros tempos, e o filme está preocupado em dar conta de que Brasil era aquele.” Existe, principalmente no cinema norte-americano – de Hollywood -, uma tradição muito rica de filmes de boxe. Alvarenga Jr. admite – “Gosto de cinema, de ver filmes. Tornei-me diretor por admiração a cineastas seminais. Meus ídolos fizeram grandes filmes de boxe. Estou falando desde o Punhos de Campeão (de Robert Wise, 1949) até o Touro Indomável (Martin Scorsese, 1980). Esse último eu estudei, dissequei, durante muito tempo na minha vida.”
E assim como grandes diretores o estimularam a filmar, Alvarenga Jr. gostaria de passar esse mesmo estímulo, essa provocação. O amor do cinema, do espetáculo. O prazer de contar histórias. No Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, o repórter reencontrou o diretor. Alvarenga Jr.
estava acompanhado de um garotão com pinta de galã. “Vou apresentar-lhe a terceira geração da família”, disse ao repórter. “Sou filho de cineasta e esse é meu filho, que quer prosseguir com a tradição. Quer ser diretor, também.” Pensar o boxe no cinema. “É preciso, a gente não sai filmando não importa como. Não estou fazendo um filme aleatório sobre boxe, sobre um boxeador qualquer. Estou filmando um personagem real. Nas categorias mais leves, peso-pena, peso-galo, o pugilista tem de ser ágil. Enquanto nas categorias mais pesadas, o Jake LaMotta do filme do Scorsese, desfere dois, três golpes por segundo, o Eder desferia sete, oito. A velocidade das lutas é muito importante. E, ao mesmo tempo que tenho esse tempo, digamos, acelerado, meu filme tem duas horas, porque a história que estou contando é grande, grande até no sentido do tempo. E é preciso dosar o tempo. Foi um filme de muitos desafios, mas acho que consegui me sair bem nesse ringue do cinema.”
Com esse filme/filho na rua, Alvarenga Jr. concentra esforços no que está por vir. Ele tem dois ou três projetos de filmes grandes para o ano que vem, mas ainda este ano lança um filme pequeno, pelo qual está apaixonado – Intimidade entre Estranhos. “Um dos filmes da minha vida é O Verão de 42/Houve Uma Vez um Verão, de Robert Mulligan. Meu filme conta o triângulo formado por um garoto, uma mulher mais velha e o marido dela.” O repórter pergunta se o diretor não está apreensivo.
Afinal, nessa era de correção, sua mulher casada poderá ser acusado de abuso. “Estamos falando de dramaturgia. É uma história linda, você vai ver. Se soar como provocação, que seja. Não devemos ter medo de provocar. O que me interessa é entender o humano.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.