Sete dias e 190km de distância separaram a história de violência Gleicy da Silva Menezes, de 44 anos, e a técnica em enfermagem Laiane dos Santos, de 24 anos.
Gleicy foi enforcada pelo marido até a morte dentro de casa em Aparecida de Goiânia na manhã do último sábado (22/9). Laiane foi espancada pelo namorado no sábado anterior (15/9). Apenas depois da morte de Gleicy que o caso de Laiane dos Santos ganhou grande repercussão.
Em uma postagem nas redes sociais, com fotos de seu rosto inchado e com hematomas, seguido de um relato assustador, Laiane dá conta da violência que teve a sorte de escapar. A mesma sorte teria tido Gleicy, a 20ª vítima de feminicídio em Goiás registrado apenas este ano.
Gleicy tentou se afastar do marido, Ademar de Jesus Sales, de 63. Depois de ter sido agredida, ela procurou a Polícia e conseguiu uma Medida Protetiva.
Diante dos pedidos de desculpas, Gleicy cedeu, voltou com o marido, mas foi assassinada dez dias depois. Laiane, contudo, não quer conversa com seu agressor, o motorista Caio Cesar Ribeiro, de 29 anos. “Estou com medo dele.”
Durante duas horas, em uma madrugada, dentro de um carro Astra bege, Laiane foi enforcada. “Cheguei a fazer xixi”. Foi esmurrada. “Ele me dava socos no rosto”. Foi arrastada. “Ele dizia que ia me matar”. Hoje, Laiane tem a voz para contar em detalhes os bastidores de uma agressão. Coube a ela dar voz às 20 mulheres, como Gleicy, que foram assassinadas em Goiás em 2018.
Gleicy viveu 22 anos com seu assassino. Laiane viveu dois meses um relacionamento de que sobreviveria. Para o Portal Dia Online, por telefone, conta que o rosto inchado e dores não doem mais do que ter sido vítima por quem tinha um sentimento de confiança. Hoje, impera o pânico. “Eu pedi medida protetiva porque estou com medo”, e acrescenta: “Quero que ele seja preso para não fazer isso com outra pessoa.”
Enquanto Laiane não imaginava que seria espancada, Gleicy carregava algumas marcas do marido. Na periferia de Aparecida de Goiânia, abraçava causas de mulheres agredidas. Por isso, chegou a receber uma Comenda Maria da Penha este ano das mãos da deputada estadual Isaura Lemos do PCdoB e da filha dela, vereadora por Goiânia, Isaura Lemos. Suplente de vereadora no município de Varjão, Gleicy não sobreviveu.
Debate nesta terça-feira alerta para violência de homens
Comentando cada caso, a advogada advogada criminalista Márcia Póvoa explica que, normalmente, o agressor tenta culpar a vítima pela agressão. “Ele xinga ela, empurra, bate. Ela chora e ele tenta colocar na cabeça dela de que ela é a culpada, de que ela foi errada”, exemplifica.
“E ele vem com ‘ah, eu te amo, vamos cuidar de nossos filhos’. Fala que é ele quem paga o aluguel, ele quem compra alimentação. Caso ela não aceite voltar, ameaça tomar a guarda do filho, a se matar e, claro, matar ela ou as crianças. Por isso ela perdoa, ou melhor, cede. No fundo, lá no fundo, tem uma esperança.”
Para discutir casos semelhantes e impulsionar a ideia de que a mulher precisa denunciar o agressor, ocorre nesta terça-feira (25/9), a partir das 19h, no auditório do Hotel Mercure, em Goiânia, palestra com a advogada criminalista Márcia Póvoa e a biomédica sanitarista Tânia Agostinho. A proposta está inserida no Projeto Salto ao Alto, criado pelas duas para discutir e promover o enfrentamento da violência contra a mulher e doméstica.
Elas debatem o tema “Combater a violência psicológica para evitar a violência física”. “Nossa proposta nessa palestra é, através da ressignificação e resiliência, ajudar a mulher para que ela desenvolva mecanismos para se livrar da violência para que ele ganhe confiança e saiba como e quem procurar”, afirma Márcia.
Márcia explica que, se para a mulher lidar com a violência física já é um desafio, em relação à violência psicológica a situação se mostra ainda mais complicada. Isso porque os órgãos competentes de atendimento à mulher abusada nem sempre estão preparados para receber bem a vítima e que é comum a mulher ser rotulada em tais situações como e “criadora de caso”, é relevada à mero “mimimi”. “Mais um motivo para a mulher se fortalecer para ser ela própria o agente de mudança em sua vida”, afirma Tânia Agostinho.
Tipos de violência sofridas por mulheres
Márcia e Tânia enumeram algumas modalidades de violência a que mulheres estão sujeitas em relacionamentos opressores. O primeiro exemplo é a violência patrimonial, quando a mulher embora economicamente ativa é colocada na condição de dependente; a intelectual, quando há o desmerecimento de conhecimentos e conquistas em áreas de conhecimento e profissional, entre outras. Sobre esse tipo de violência, elas citam o caso de uma das mulheres atendidas que se viu proibida pelo marido de assumir vaga em concurso público no qual havia sido aprovada.
Márcia Póvoa acrescenta que a lei trata a violência quando ela já está irremediavelmente instalada nos lares, com mulheres sendo violentadas psicologicamente e, posteriormente, como consequência natural, fisicamente sendo levadas até à morte. Ela acredita ser possível identificar, combater, através do fortalecimento das instituições envolvidas na proteção da mulher e principalmente através do fortalecimento da vítima em questão.
A lei Maria da Penha em seu artigo 2º prevê que todas as mulheres tenham assegurada sua prerrogativa de viver sem violência e que sejam preservadas sua saúde física, mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
“Seja por falta de estrutura ou mesmo vontade, a mulher só recebe um pouco mais de atenção quando precisa ser encaminhada ao IML para exames de corpo de delito ou quando é morta. Mas aí já temos a violência em seu estado mais latente”, revela Tânia Agostinho
A dupla acredita que ideal seria que essas mulheres tivessem grupos e um atendimento efetivo e não a interpretação geral, embora poucos admitida, de que para certos tipos de violência- incluindo aí a psicológica e até patrimonial – não se deve dar muita atenção. “Uma morte a facadas ou tiro pode começar com uma agressão verbal, com uma proibição simples no âmbito da relação. É preciso tratar a doença quando ela está apenas começando, porque quando ela se espalha na relação, difícil poder controlá-la”, salienta a advogada.