Três anos após despertar a atenção do Brasil e do mundo, a epidemia causada pelo vírus zika e suas consequências – centenas de crianças nasceram com microcefalia -, são ignoradas nas eleições deste ano pelos sete candidatos ao governo de Pernambuco, que registrou em 2015 o epicentro do surto.
De acordo com levantamento feito pelo Estado nas diretrizes dos programas de governo registrados na Justiça Eleitoral, apenas um cita o problema e, ainda assim, apresenta uma proposta em duas linhas. Enquanto isso, a falta de atendimento adequado e as filas de espera fazem parte das reclamações das famílias, que se dizem abandonadas pelo poder público.
De agosto de 2015 a julho deste ano, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, foram notificados 2.555 bebês com microcefalia. Desses, 456 tiveram o diagnóstico confirmado e outros 304 estão “em investigação” ou tiveram o laudo “inconclusivo”. Do total de casos registrados, a pasta contabiliza 164 óbitos – 11 das mortes ocorreram em 2018.
Diagnosticado com a síndrome congênita do zika vírus só depois de três meses de vida, Bernardo Henrique de Oliveira, de 2 anos e 8 meses, vai completar 60 dias sem reabilitação. Ele não anda, não fala e tem dificuldades de deglutição. A ex-secretária e mãe do menino, Bárbara Ferreira, de 30 anos, diz que eles aguardam, em quatro listas de espera, a oportunidade para realizar as sessões de terapia ocupacional, fonoaudiologia e fisioterapia, que, segundo os especialistas, são determinantes para o futuro do bebê.
Bárbara e Bernardo se mudaram há seis meses, junto com o pai, o motorista Moab Henrique de Oliveira, de 28 anos, de Caruaru (PE) para o Recife “para ter mais chances de acompanhamento médico”. A família vive em um apartamento cedido por uma amiga.
“Em Caruaru, o atendimento é precário. Tinha a esperança que aqui meu filho fosse ao menos conseguir se sentar, mas, com menos de um ano de reabilitação, foi desligado porque o médico disse que ele não tinha atingido o objetivo do tratamento. Tentamos fazer alguns exercícios em casa, mas não é o suficiente”, disse Bárbara.
Oferta
Com o surto de casos da síndrome congênita do vírus zika, a gestão Paulo Câmara (PSB) diz que implantou 25 unidades de reabilitação. Porém, segundo a União de Mães de Anjos (UMA) – associação que representa as famílias das crianças -, a oferta de serviços não atende à demanda dos pacientes. “As famílias do interior ainda precisam viajar horas para o Recife para tentar atendimento”, afirmou a presidente da UMA, Germana Soares.
O presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 1.º Região, Silano Barros, enviou na sexta-feira passada um questionário às coordenações de campanha dos postulantes ao Palácio do Campo das Princesas. Segundo ele, a intenção é provocar os candidatos para colocar o tema da zika no debate.
“Hoje, por falta de uma política pública a essas crianças e a todas as outras pessoas com deficiência não existe um acompanhamento correto. Para os pacientes do zika, por exemplo, as sessões são semanais e não passam de 20 minutos. Como essas crianças vão evoluir?”, questionou Barros.
Além da saúde, o desafio para o próximo governo será garantir o acesso à educação desses meninos e meninas. Conforme dados da UMA, apenas 8,3% dessas crianças estão matriculadas em creches. Até o ano de 2022, elas estarão entrando na fase de alfabetização.
“Não é a deficiência que incapacita essas pessoas. São as barreiras causadas pela falta de políticas públicas que impedem esses cidadãos de serem alfabetizados e, posteriormente, economicamente ativos”, declarou o doutor em psicologia e professor de educação inclusiva da Universidade Federal de Pernambuco, Francisco Lima.
Para o docente, não é surpresa que o tema não esteja contemplado nos programas de governo dos candidatos nem apareça nos debates.
“Em 2015, como na década de 1980 e 1990 com a paralisia infantil, tivemos mais um momento de sensibilização, e não de conscientização. Nossos candidatos não têm consciência do problema e, assim, condenam mais uma geração à invisibilidade”, afirmou o professor.
Candidatos minimizam assunto
Os candidatos minimizaram a ausência das consequências do vírus zika nos plano de governo registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e disseram que vão apresentar as promessas até o primeiro turno das eleições 2018, no dia 7 de outubro. Entre as propostas está a construção de centros regionais, concessão de auxílio financeiro e mutirões de atendimento.
Candidato à reeleição, o governador Paulo Câmara (PSB) não comentou as denúncias das famílias e especialistas em relação à precariedade do atendimento às crianças com a síndrome. Por meio de nota, Câmara afirmou que vai manter o atual modelo, mas “as propostas são construídas com a sociedade durante o debate eleitoral”.
O senador Armando Monteiro (PTB) disse que está construindo seu programa para as crianças ouvindo as famílias e os especialistas. O candidato pretende fortalecer o mapeamento dos pacientes e fazer parceria com os municípios.
Dani Portela (PSOL) é a única que cita a síndrome congênita do vírus zika. Ela propõe a criação de um centro de reabilitação para essa e outras doenças raras. Em, nota, a candidata disse que se eleita vai fazer um levantamento dos casos, atender às questões de saúde básica e estruturar uma rede de educação a partir das creches. Os recursos, segundo a candidata, viriam do corte de secretarias e cargos comissionados.
Único médico entre os concorrentes, Júlio Lóssio (Rede), disse que sua plataforma contempla as crianças afetadas ainda que não citadas no eixo “acessibilidade”. Lóssio promete fortalecer e criar centros regionais de atendimento – quatro no sertão, um no agreste e outro em Recife. “Quando prefeito colocamos 100% de professores de AEE (Atendimento Educacional Especializado) para atender as crianças com deficiência.”
Maurício Rands (PROS) declarou, em nota, que seu programa está sendo construído por meio de plataforma interativa na internet. O candidato afirma que pretende integrar a rede de saúde, investir em agentes comunitários e realizar mutirões para zerar a fila de espera.
Simone Fontana (PSTU) disse que pretende implantar “reabilitação multidisciplinar”, hospitais regionais e a construção de novas creches e escolas para atender as crianças. Ana Patrícia Alves (PCO) não foi localizada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.