Quatro dos seis candidatos a deputado federal que mais receberam doações de pessoas físicas até agora nas eleições deste ano estão em busca do primeiro cargo eletivo. As exceções na lista são o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tenta a reeleição, e Jean Carlo (PSDB-GO). Somados, eles arrecadaram aproximadamente R$ 6,82 milhões.
Os quatro novatos da lista – Gabriel Rocha Kanner (PRB-SP), Ricardo Salles (Novo-SP), Tabata Amaral de Pontes (PDT-SP) e Vinicius Poit (Novo-SP)- ficaram com 72% desse total. Os dados estão declarados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foram computados pela reportagem do Estado até este sábado, 15.
Ricardo Salles, do Partido Novo, discursa para empresários na casa de Gustavo Junqueira para apresentar suas propostas, que passam pelo campo liberal
O cientista político Humberto Dantas, pesquisador da FGV-SP, vê as doações para os outsiders como um sinal de que há uma busca por renovação no Congresso, apesar da perspectiva de a Câmara ter um dos maiores índices de reeleição. “Tem muita gente querendo ver coisa nova na política. Algumas pessoas estão dispostas a bancar isso. Quanto mais gente tiver disposta a pagar, maior a possibilidade efetiva de renovar, porque dinheiro faz diferença efetiva nas campanhas”, disse o cientista político.
Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), divulgado em agosto, aponta que, dos 513 deputados federais, 407 são candidatos à reeleição, índice maior do que no pleito de 2014, quando 387 tentaram renovar seus mandatos.
Pela primeira vez na corrida eleitoral, Gabriel Kanner foi o que mais recebeu até agora – R$ 2 milhões. Quando se compara as doações de pessoas físicas para os candidatos a todos os cargos, o valor só não é maior do que o do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que concorre ao governo de Minas Gerais e computou R$ 2,8 milhões.
Aos 28 anos, Kanner é sobrinho do empresário Flávio Rocha (PRB), da Riachuelo, que chegou a anunciar sua pré-candidatura à Presidência da República, mas desistiu antes do registro oficial. A doação foi feita pelo avô do candidato, Nevaldo Rocha, fundador da Riachuelo e pai de Flávio.
“Deixei a carreira de executivo para me dedicar à política e decidi não fazer uso de recursos públicos na campanha. Os valores doados por meu avô estão dentro dos limites legais. Sou um defensor da livre iniciativa. Nunca fui candidato, mas participo de projetos sociais há mais de dez anos”, diz Kanner ao Estado. Ele se define como representante do setor produtivo e do varejo e defende uma plataforma voltada ao setor. “Pretendo trabalhar pela redução da carga tributária e simplificação da cobrança dos tributos, com o combate à burocracia. O Brasil precisa de uma reforma tributária e política”, completa.
Crescida na Vila Missionária, bairro da periferia de São Paulo, e graduada em Ciências Políticas e Astrofísica na Universidade Harvard (EUA), Tabata Amaral, de 24 anos, recebeu para sua campanha R$ 889.930,00 de 49 doadores. “A grande maioria das doações é espontânea, de pessoas que conhecem meu trabalho e se identificam com as minhas ideias”, afirma ela, que escolheu a educação como bandeira política. “Acredito que muitos doadores veem em mim a possibilidade de realizar as mudanças desejadas na sociedade e na política, por ser mulher, jovem, moradora da periferia”, afirma a candidata.
Em busca de seu primeiro mandato, Ricardo Salles viu sua campanha ser o destino da doação de 56 pessoas, somando R$ 1,208 milhão até agora. Ele afirma que sua rede de arrecadação foi construída ao longo de sua trajetória de militância que teve como uma das principais marcas o movimento Endireita Brasil, que prega valores liberais, conservadores e anti-PT. “Tenho uma identidade ideológica com essas pessoas há muito tempo”, afirmou Salles sobre seus doadores.
Em quinto lugar, vem o novato Vinicius Poit (Novo-SP), que recebeu R$ 819.500,00 de 47 doadores. Assim como Tabata, Poit fez parte do movimento RenovaBR, projeto empresarial criado para capacitar futuros candidatos ao Legislativo e idealizado pelo empresário Eduardo Mufarej, um dos doadores.
Poit, fundador de uma startup que realiza recrutamento de profissionais pela internet, define-se como um empreendedor e tem atuação nas redes sociais – possui 270 mil seguidores em uma página na qual fala de política e mobilização social. Poit relata que faz campanha há pelo menos dois anos e já rodou mais de 170 cidades em São Paulo. Para ele, as pessoas estão procurando doar para candidatos que possam representar uma renovação na política brasileira. “As pessoas que estão fazendo doações para mim, acho que nunca doaram na política. Me viram como empreendedor e como opção nova de verdade, porque nunca fui filiado a partido nenhum”, disse.
Poit diz que no Congresso Nacional irá atuar para cortar gastos e privilégios, promete medidas como publicação mensal de gastos, processo seletivo para contratar funcionários do gabinete. “Não vou defender uma classe só. O empreendedorismo atravessa todas as classes e todos os setores. Acredito muito em inovação, tecnologia e serviços”, afirmou.
Equilíbrio na disputa
O empresário Eduardo Mufarej, um dos idealizadores do RenovaBR, considera que a doação de pessoa física ajuda a atenuar a diferença entre os candidatos que dispõem de recursos públicos do Fundo Eleitoral, principalmente deputados que buscam renovar seus mandatos, e os que estão tentando conseguir a vaga pela primeira vez.
“As pessoas que podem promover uma renovação política qualificada estão recebendo doações de quem entende que, se a sociedade não participar, a chance de elas se elegerem é próxima de zero e aí o Brasil vai continuar patinando nessa questão da distância entre representantes e representados”, avalia o empresário.
Ele lembra que parte do fundo, criado pela reforma eleitoral do ano passado e que tem R$ 1,7 bilhão de recurso público, está sendo destinada a candidatos que tentam a reeleição. A maioria dos partidos decidiu privilegiar candidaturas a deputados federais na distribuição da verba que recebeu do fundo para tentar manter ou até ampliar a bancada na Câmara.
“Temos financiamento público na história pela primeira vez, mas não teve discussão sobre para onde esse dinheiro deveria ir”, diz Mufarej. “Em vários Estados, enquanto um partido coloca R$ 1 milhão na reeleição de um candidato a deputado federal, outro que não tem mandato não recebe nada. Essa é a notícia que me deixa desesperado. Todo cidadão brasileiro está botando R$ 10,00 na conta do fundo eleitoral, e quem decide? Qual é o critério?”, questiona.
Para o cientista político Humberto Dantas, pesquisador da FGV, a reforma política que criou o Fundo Eleitoral, no ano passado, foi feita para beneficiar candidatos à reeleição. “Os partidos têm de aprender que precisam que a sociedade reverta recursos e considere razoável financiá-los. Eles precisam se conectar com eleitores e conectar também representa angariar dinheiro e descolar recursos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.