A polarização da moda norte-americana atingiu seu ápice no último dia de desfiles da New York Fashion Week (NYFW), na quarta-feira, com a apresentação performática da grife de Rihanna, encenada logo após o desfile old school de Marc Jacobs. De um lado, estão os estilistas que celebram símbolos do sonho norte-americano (representados pelo estilo esportivo, as influências college e o luxo impecável dos bem-sucedidos). No extremo oposto, uma jovem-guarda transgressora e segura de si, que invadiu a NYFW despida dos clichês que cercam a velha imagem do americano. Fica o dilema: quem hoje em dia traduz melhor os humores do país?
Enquanto Rihanna fala com as massas e promete sucesso de vendas e de público, a apresentação de Marc Jacobs sugere uma celebração à moda e ao design, ao glamour (antigo e, provavelmente, datado), ao guarda-roupa feminino e todas suas maravilhosas possibilidades. “Há gente suficiente vestindo mulheres para ir ao Starbucks”, fala o estilista, comentando a onda de streetwear que tem entre seus representantes a Supreme e a Yeezy, do rapper Kanye West. A marca de lingeries de Rihanna, Savage X Fenty, faz parte desse time.
A cantora e ícone fashion que é fenômeno nas redes sociais, não tem lá muita experiência em design nem desenvolvimento de produto. Mas seu Instagram @badgalriri conta com mais de 64 milhões de seguidores e ela sabe fazer barulho. Seu desfile foi um happening, com um elenco de mulheres de diferentes etnias e tipos de corpo, se alongando e dançando ao som de uma trilha que ia do zen ao eletrônico nervoso. A coleção trouxe propostas interessantes de produtos, boa parte deles básicos e acessíveis.
Já o desfile de Marc Jacobs foi uma demonstração de domínio técnico de materiais sofisticados, da composição da elegante cartela de cores (inspirada na obra de Genieve Figgis), de construções complexas executadas com primor. Apesar de ter atrasado uma hora e meia, o espetáculo comoveu fashionistas, fazendo referência a criações históricas de Saint Laurent, Chanel e Halston.
É um mesmo tipo de olhar do texano Tom Ford, outro nome estelar da velha-guarda norte-americana, que trouxe de volta o clima de glamour e sedução dos anos 90, tempo áureo em que reinou na Gucci, acionando mulherões em saltos altos, saias lápis, corsets de oncinha, bodies de crocodilo e smokings desconstruídos. “Sinto que a moda de alguma forma se perdeu”, explica Ford, no texto distribuído à imprensa.
Na contramão disso, o belga Raf Simons segue investigando o avesso do sonho americano na Calvin Klein. Inspirado por Tubarão e A Primeira Noite de um Homem, mostra roupas de mergulho retrabalhadas em macacões, calças e regatas apresentadas como se estivessem sendo tiradas, deixando ver seu avesso com estampas de animais e flores. Também exibe uma série de vestidos de coquetel desprovidos de glamour, em que o excesso de tecido e de volume parece ter sido contido por faixas, costuras repuxadas e amassados. A coleção da marca ainda traz saias com efeito destruído, rasgadas por um predador, blazers alongados, e peças mais básicas, como cardigãs, suéteres e regatas com o pôster de Tubarão. “Frequentemente somos atraídos por coisas que sabemos serem perigosas, mas das quais não conseguimos nos afastar”, declara o designer no backstage da apresentação. “Desastres acontecem, depois eles se transformam de novo em beleza, e a beleza ao nosso redor pode frequentemente se transformar em desastre”, afirma.
Com o mesmo olhar clínico, a marca Pyer Moss, do estilista Kerby Jean-Raymond, faz um comentário sobre a questão racial nos EUA, imaginando um país em que pessoas negras pudessem se integrar plenamente à sociedade. Numa vila histórica que já foi a segunda maior comunidade de negros livres do país, mostrou roupas que evocavam um lado pouco celebrado de sua cultura, como os corais gospel, os churrascos ao ar livre e a religiosidade. “Em nenhum outro desfile havia uma mensagem tão elegantemente pensada e transmitida como na Pyer Moss, na qual Kerby Jean-Raymond vem silenciosamente esculpindo uma carreira como a consciência da comunidade fashion”, escreve Vanessa Friedman, a crítica de moda do The New York Times.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.