A primeira mulher a ter um samba cantado por uma grande escola – o Império Serrano, em 1965. A melodista prodigiosa. A sambista reverenciada por todas as gerações. O “laraiá” mais bonito que já se ouviu. A enfermeira da equipe da psiquiatra Nise da Silveira. A mulher negra que enfrentou todos os percalços da vida sem perder a ternura. A mãe, a avó, a parceira.
Alvo de controvérsia por conta do tom da pele de sua protagonista, o musical Dona Ivone Lara – Um Sorriso Negro apresenta a partir de sexta-feira, no Teatro Carlos Gomes, no Rio, todos os afetos e as conquistas da “primeira-dama do samba”.
A ideia de contar no teatro a trajetória de Yvonne Lara da Costa (1921-2018) foi do produtor Jô Santana, e surgiu há cinco anos. Teve o entusiasmo da homenageada, que morreu em abril. Foi ela quem escolheu para vivê-la a prestigiada cantora paulista Fabiana Cozza, que já tinha intimidade com seu repertório e frequentou sua casa. Mas o fato de Fabiana ser negra de pele mais clara foi criticado por movimentos negros, uma vez que Dona Ivone era negra retinta e o preconceito, no Brasil racista, piora quanto mais escura é a pele. Fabiana se retirou. Em seu lugar, está Fernanda Jacob, vinda de Brasília.
Aos 28 anos, ela também é sambista e intérprete de Dona Ivone – em seu projeto Samba na Rua, canta alguns sucessos que estão na peça: Alguém me Avisou, Tiê, Tendência. Depois de dois meses de preparação, que incluíram aulas de canto e contracanto, para se aproximar do tom e do tal “laraiá” de Dona Ivone, e observação de vídeos para emular seu samba miúdo e sua postura diante da vida, Fernanda se emociona ao falar do papel. “Fui trazendo todas as mulheres pretas importantes da minha vida. Não queria caricatura”, diz. “Outra coisa foi a leveza de Ivone, que quebrava o estereótipo da mulher negra ríspida. Procurei a doçura dela.”
A narrativa parte da Ivone menina ao cavaquinho e nas aulas de canto orfeônico. Avança à sambista que não assinava suas canções, por ser mulher, e, mais tarde, a seu reconhecimento como fundamento da nossa música. “Ela abriu caminhos enfrentando os preconceitos, o racismo e o machismo, no miudinho”, lembra Jô Santana. “O que aconteceu com a Fabiana Cozza foi muito violento. Mas acho pertinentes as reivindicações, e foi bom ver o debate do colorismo vir à tona.”
O diretor, Elísio Lopes Jr., descobriu Fernanda numa foto no Facebook. Feito o convite, em uma semana ela mudou sua vida e chegou ao Rio. “Eu senti que era ela, não precisamos ensinar o que é o amor ao samba.”
São 24 atores e 8 músicos no palco, e mais duas atrizes fazem Ivone mais jovem, Dandara Mariana e Heloisa Jorge. André Lara, neto e parceiro de Dona Ivone, também está no elenco, como Rildo Hora (produtor de Dona Ivone e diretor musical da peça). O público pode esperar momentos de emoção, como o do casamento de Ivone e Oscar, e de cantoria – Sonho Meu, Minha Verdade, Candeeiro de Vovó e Sorriso Negro são garantias de uma noite feliz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.