A longa aposta do Brasil na intervenção estatal para fomentar o crescimento foi a opção oposta à adotada por nações desenvolvidas. Os EUA, por exemplo, injetaram bilhões em bancos e empresas combalidas, incluindo a montadora GM, mas os subsídios foram retirados aos poucos. Para economistas, os números brasileiros mostram que a estratégia local foi equivocada. A retração da economia em 2015 e 2016 foi tão forte que o efeito no Produto Interno Bruto (PIB) per capita só deve ser compensado em 2023, nas contas do economista Simão Silber, da FEA/USP.
O economista Samuel Pessôa, do Ibre/FGV, diz que, após a euforia da alta de 7,5% do PIB em 2010, que pôs o Brasil como exemplo de prosperidade na capa da revista The Economist, a desaceleração que começou em 2011 foi vista como um mal a ser combatido com todas as armas: “Reproduziu-se, então, o diagnóstico (para os problemas da economia), apesar de o remédio já ter sido exagerado mesmo em 2009”, diz Pessôa. Para definir a insistência no receituário, Silber recorre a um conceito atribuído a Albert Einstein: “Loucura é continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes.”
No governo Dilma, o encadeamento das decisões do governo se encaixa em um padrão que o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, classifica de moto perpetuo. Silber diz que essa narrativa começa a ficar mais clara a partir de agosto de 2011, quando há uma “limpeza” no Banco Central que abre caminho para uma série de intervenções do governo.
A partir daí, foram várias as medidas contraditórias, aponta Pessôa: queda de juros em cenário de inflação em alta, congelamento de preços do petróleo e corte nas tarifas de energia elétrica por canetada, ampliação das desonerações a setores específicos e do papel do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) no financiamento a grandes empresas. “Até se insistiu na criação da indústria naval, que é algo caro e já tinha dado errado nos anos 1950, com JK, e nos anos 1970, com (Ernesto) Geisel”, diz o professor do Ibre/FGV.
À medida que o governo ampliou gastos, a situação fiscal se deteriorava e a economia reagiu muito pouco. Um “motim” entre os funcionários do Tesouro Nacional, noticiado pelo Estado à época, denunciou a prática das pedaladas fiscais – que consistia no adiamento de pagamentos que o governo deveria fazer a bancos e também a órgãos como o INSS.
Com a eleição marcada para o ano seguinte, no entanto, não havia espaço para mudança de rota naquele momento, aponta Sérgio Lazzarini, professor do Insper: “Então, nessa situação, a solução foi pedalar, jogar as contas dos subsídios explícitos do BNDES para frente e maquiar resultados para dizer que estava tudo bem.”
Futuro
Apesar dos efeitos catastróficos para a economia – que se refletiram no maior período de retração econômica do País em 120 anos -, os economistas concordam que o atual debate eleitoral não reflete uma consolidação em direção a medidas mais austeras na economia, com corte de gastos e reformas.
A explicação para essa resistência pode ser histórica, na opinião de Mesquita, do Itaú Unibanco, pois o brasileiro está acostumado a ver o governo como provedor. “A ideologia (da intervenção) não é nova. Começa na década de 1930 do século passado, com (Getúlio) Vargas, continua com Juscelino Kubitschek e com os militares”, disse o economista. “A ideia de crescimento liderado pelo Estado têm seus adeptos à esquerda e à direita do espectro político.”
Silber, da USP, alerta, no entanto, que a mudança na trajetória dos gastos públicos é urgente. O direcionamento que foi apenas esboçado pela administração Michel Temer, segundo ele, precisa ser implementado – e rapidamente – pelo próximo governo. “Estamos na beira do precipício. Dependendo do governo que vier por aí, corremos o risco de perder o controle sobre a economia.”
Regulação de bancos avançou
A crise de 2008 é vista por economistas como uma turbulência gerada pela falta de regulação dos bancos nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos. A concessão de empréstimos imobiliários sem critério, a consumidores sem condições de arcar com as prestações – e, por isso, classificados como subprime – gerou um “efeito dominó” que afetou os mercados de todo o mundo.
Para os economistas ouvidos pelo Estado, houve avanço no sentido de evitar que o problema venha a se repetir. “Na questão de liquidez bancária, que foi uma das causas do problema do Lehman Brothers, a regulação melhorou bastante, ficou muito mais restritiva”, diz Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco. “Os bancos têm capacidade menor de se alavancar, precisam ter colchões de liquidez mais amplos.”
Na visão de Mesquita, as exigências de instituições como o Federal Reserve (o banco central americano) de certa forma até impediram a recuperação do crédito nos primeiros anos após a crise – isso porque os bancos precisaram separar mais capital para garantir os valores dos empréstimos que pretendem fazer.
“Acho que outra coisa que ficou evidente (com o estouro da crise) é que, quando a política monetária é muito frouxa, surge o problema da assunção exagerada de risco. E a regulação tem de atuar contra isso. Então, os perigos do juro baixo ficaram mais evidentes depois da crise”, aponta Mesquita.
Prudência
Para Samuel Pessôa, economista do Ibre/FGV, a impressão é que a regulação “mudou muito”, com a criação de uma política que se preocupa com os potenciais efeitos de uma crise em instituições financeiras na macroeconomia. Pessôa ressalva que atualmente, nos EUA, há até quem ache que as regras tenham sido duras demais. “Donald Trump ganhou uma eleição com o diagnóstico contrário, de que a regulação passou do ponto.”
Governança aprimorada
A quebra do banco americano Lehman Brothers fez o dólar disparar e resultou em perdas bilionárias para empresas brasileiras, que operavam com os chamados “derivativos tóxicos”, que apostavam numa cotação mais baixa da moeda americana. Diversos bancos atuaram para renegociar dívidas e evitar uma quebradeira geral. O BNDES teve de intervir para salvar essas companhias e a saída, para algumas delas, foi se unir a rivais.
Não há dados oficiais, mas estimativas apontam que ao menos 200 empresas se envolveram nessas operações arriscadas. Em 2009, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), que regula os bancos centrais, estimou as perdas do setor privado nacional em US$ 25 bilhões. Estudo dos ex-diretores do Banco Central (BC) Mário Mesquita e Mário Torós estimou que a exposição às operações era de US$ 37 bilhões.
Os casos mais emblemáticos foram os da fabricante de celulose Aracruz, que perdeu US$ 2,1 bilhões, e da gigante de alimentos Sadia, com rombo de US$ 2,5 bilhões. O trabalho começou com um combate ao “incêndio”, liquidando os títulos arriscados, com prejuízo para as empresas. A partir daí, vinha a reestruturação, com alongamento de dívida e, em alguns casos, mudança de controle.
Na Aracruz, a venda para a Votorantim Celulose e Papel (VCP) já vinha sendo negociada antes da crise. Com o rombo dos derivativos, o negócio só foi adiante por causa do BNDES. Após aportar R$ 2,4 bilhões, o banco ficou com pouco mais de 30% da Fibria, fusão de Aracruz e VCP. As dificuldades financeiras obrigaram a Sadia a se unir à rival Perdigão, criando a BRF, a maior exportadora de frangos do País.
Os rombos chamaram a atenção para falhas de gestão. “Os conselhos falavam de governança, mas não exerciam seu papel”, disse o advogado Otávio Yazbek, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão regulador do mercado.
Para reagir à crise, a CVM criou novas regras, obrigando as empresas a informarem ao mercado sobre riscos com derivativos. Em outra frente, usou processos administrativos contra executivos e conselheiros da Aracruz e da Sadia, concluídos anos depois, para frisar que os conselheiros, que procuraram se eximir de culpa, devem exercer o “dever de diligência”.
Aposta na produção
Márcio Pochmann, um dos coordenadores do programa do candidato petista Fernando Haddad, afirma que a continuidade do estímulo oficial à economia no governo Dilma Rousseff mirou um alvo diferente do perseguido por Lula entre 2008 e 2009: enquanto o primeiro movimento buscou incentivar o consumo, o segundo tentou estimular a produção. “Era um momento em que a capacidade ociosa brasileira era muito baixa”, ressalta .
Pochmann admite que a política de Dilma não foi bem sucedida, uma vez que, como agora se sabe, a economia não cresceu e os incentivos que foram criados – redução do preço da energia, do combustível e desonerações tributárias direcionadas, entre outros – não se traduziram em investimentos significativos. A lógica por trás da “nova matriz econômica”, explica ele, era dar incentivos públicos, esperando que o crescimento gerado por essas políticas se traduzisse, mais adiante, no aumento de arrecadação, mas a estratégia deu errado. Agora, diz, a direção do partido é outra: focar o incentivo nas camadas mais pobres e em infraestrutura. Para ele, incentivar a indústria não faz mais sentido. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.