Quem vê Manoel dos Santos, de 53 anos, realizando o trabalho de limpeza urbana diariamente nas ruas da capital, não imagina o exímio artista que se esconde atrás do uniforme laranja padrão. O gari de Goiânia foi selecionado recentemente para representar a cidade na famosa exposição da 14ª Bienal Naïfs do Brasil, em São Paulo, e não é à toa.
Funcionário da Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG), Manoel passou no concurso da empresa em 2006. Antes, Manoel, que nasceu e foi criado em Goiânia, trabalhava como metalúrgico, mas sua real vocação era outra. “Aos 16 anos eu pintei meu primeiro quadro, de forma improvisada. Eu chegava do colégio todos os dias e ficava olhando para a pintura”, conta, em entrevista ao Portal Dia Online.
Manoel não tem instrução superior, aprendeu tudo o que sabe sobre arte por conta própria. Ele se considera primitivista, mas, segundo ele, tem influência de mestres clássicos da arte. “Sempre me espelhei em nomes como Antonio Poteiro, Picasso, entre outros”, revela.
A obra escolhida para representar Goiânia na 14ª Bienal Naïf em São Paulo é o acrílico sobre tela “Ajuda Nois Humanos”, pintado nas dimensões 60×80 cm e que passou pelo crivo de avaliadores especialistas em artes. A comissão recebeu quase 1200 trabalhos, inscritos por 583 artistas. Entretanto, essa não é a primeira exposição ou premiação que Manoel participa.
O artista ganhou o primeiro lugar numa premiação artística promovida pela Toctao Engenharia em Goiás, e levou o terceiro lugar num concurso realizado pela Telebrás.
O estilo primitivista de Manoel se volta para a fauna e flora, além de casos relacionados a ela. O quadro “Ajuda Nois Humanos”, que estará em exposição em São Paulo, faz referência à epidemia de febre amarela que assolou Goiás há algum tempo (e que ainda tem vestígios dela), e a matança indiscriminada de macacos que ocorreu na época, impulsionada pela ignorância de alguns que pensavam ser o animal transmissor da doença.
A pintura não é a única especialidade de Manoel. O artista também faz esculturas, e tem seu próprio ateliê montado nos fundos de sua residência. “Tudo relacionado à arte eu estou dentro. Pinturas, esculturas. Tenho meu ateliê, que eu mesmo montei. Não é uma grande coisa, mas sempre quando volto pra casa, posso ver meu quadros lá, no mesmo lugar”, conta.
Manoel relata ainda que sempre teve o apoio da esposa e dos dois filhos, um rapaz de 18 anos e uma moça de 22, que já demonstram ter a veia artística do pai. “Minha filha toca violão, e meu filho é quase especialista em cinema”.
Segundo o pintor, escultor e gari, os detalhes para uma exposição de sua obra estão sendo acertados com o Hospital Alberto Rassi
A Bienal Naïfs
Originada das mostras anuais realizadas pelo Sesc Piracicaba de 1986 a 1991, a Bienal teve sua primeira edição em 1992 na mesma cidade. Desde então, consolidou-se como uma referência para aqueles que possuem algum vínculo com sua proposta, voltada para as expressões artísticas de caráter popular, autodidata e espontâneo.
Atualmente, a seleção dos artistas participantes ocorre via edital aberto, bem como por convite, a partir da formação de uma comissão composta por curadores, artistas e pesquisadores. Seus principais objetivos são incentivar a produção artística popular e oferecer espaço para sua apreciação, além de estimular o pensamento crítico a seu respeito.
“Naïf” é um termo de origem francesa, derivado do latim nativus. Sugere algo natural, ingênuo, espontâneo, tendo sido utilizado originalmente no campo das artes para descrever a pintura e as propostas do artista modernista francês Henri Rousseau (1844-1910).
A adoção do termo pela Bienal, no plural e desvinculado da palavra “arte”, evidencia seu foco no artista e em suas manifestações diversas e múltiplas, deixando em aberto os possíveis significados e características do que é ser naïf.