José Maria da Silva não teve tempo de servir café e pão de queijo a bancários, cabeleireiras, taxistas, mototaxistas e a quem passasse pela Rua 83, no Setor Sul, na lanchonete Manancial na manhã desta sexta-feira (20/7). Aos 57 anos, a rotina do comerciante nos últimos 20 era acordar antes de o sol nascer.
Às 5h30 desta sexta-feira (20/7) não seria diferente, mas um tiro interrompeu o silêncio da Rua 83. Quando tentou evitar o tiro que o mataria, José caiu sobre um dos balcões. Ainda no chão, olhando para o rosto do assaltante, foi baleado no peito em frente a uma funcionária que também esteve na mira dos assaltantes.
“Eles falaram que não queriam mais o celular. Agora iam matar a gente”, ela contou, aos soluços. “O assaltante mirou a arma na minha cabeça, mas o tiro não saiu”, ela lembra. Durante a manhã, depois de o corpo do comerciante ter sido levado ao Instituto Médico Legal (IML), o clima era de consternação, revolta e medo.
O delegado Paulo Ribeiro, da Delegacia de Investigações Criminais (Deic), responsável pela elucidação do crime, não quis adiantar nada. “Temos todas as forças policiais envolvidas”, repetiu nas três vezes em que foi procurado pela reportagem. A primeira delas, por volta de meio-dia, enquanto fugia de uma equipe de televisão que queria segurá-lo para uma transmissão ao vivo. “Estou em diligência”, justificou.
Quem não sabia o que havia acontecido, procurava os mototaxistas que, de cabeça baixa, narravam o horror do tiro disparado à queima roupa.
Evangélico, José era tesoureiro em uma igreja do setor Vila Nova. De dia, atendia com muito cuidado e atenção aos idosos que se acostumaram com o café e o pão de queijo das funcionárias que auxiliavam o comerciante. À noite, ia com a família para a igreja. “Ele era feliz. Não tinha medo, mesmo assim se mostrava cuidadoso”, conta um choroso amigo que foi ao local do crime. “Eu não estava acreditando, meu Deus”.
Rotina de medo
Nos últimos anos, José passou por três assaltos. Sempre calmo ele entregava tudo. “Até dizia pra gente não reagir porque esses caras não têm nada a perder”, recorda o ex-funcionário Matheus Rodrigues, de 22 anos, enquanto recolhe o resto do balcão que, na luta corporal, caiu fora do quiosque. “Não sei porque ele reagiu. Não sei”.
Quando foi assassinado depois de se negar a entregar o celular a dois homens, apenas um idoso, na escuridão silenciosa, andava por aquela rua.
José Maria não é exceção de vítima de violência a poucos metros da sede do Executivo, na Praça Cívica. A reportagem ouviu pelo menos dez comerciantes. Alguns dizem que melhorou, mesmo assim furtos e arrombamentos são frequentes.
“Aqui está um inferno. Bem ao lado da casa do governador e nada de soluções”, reclama Glória Nascimento, de 64 anos, dona de uma salão de cabeleireiro há 42 anos. “Estou perplexo com a morte do seu Zé. O tiro acertou todos nós”, diz, enquanto aperta o peito.
Marília Teodoro, 33 anos, cresceu na região. A mãe, uma das mais importantes pamonheiras da capital, está em choque. “Minha mãe é dona da ‘Pamonharia da Vovó’. Ela conhecia há mais de 20 anos o seu Zé”, diz, acompanhando a movimentação de policiais civis na calçada do quiosque e incomodada com o barulho dos estilhaços de vidros. “As pessoas não se importam. Tá vendo?”.
Um pouco receosa de falar sobre criminalidade na região, acaba dizendo: “Não sabemos quantas vezes fomos roubadas, com arma apontada para cabeça. Minha mãe chora o tempo inteiro pensando que poderia ter sido uma de nós duas e, claro, por mais uma família destruída.”
Jair da Silva, de 28 anos, troca a película do celular de uma cliente que não sabia do assassinato enquanto comenta que atravessava a rua e comprava refrigerante na banca do José. “Infelizmente não foi muita surpresa chegar aqui para abrir a loja e ver o carro do IML ali, da polícia, de gente chorando”. A mulher olha desajeitada para o quiosque fechado e resmunga: “a violência se espalhou por todos os cantos…”
José será sepultado no Jardim das Palmeiras às 20 horas, horário em que já teria baixaria as portas do comércio da rua 83 e ido para casa.