A Urgembras, com contrato milionário com o Instituto Municipal de Assistência Social (Imas) é, na prática, uma escola de treinamentos para profissionais da saúde. Médicos e responsáveis pela empresa são suspeitos de fraudes quando exames foram feitos em nome de servidores.
Até um ex-diretor assinou documentos classificados como fraudulentos, com registros de exames na matrícula de servidores que nunca ouviram falar da Urgembras. A reportagem do Portal Dia Online publicou relatos de servidores que tiveram descontados na Folha de Pagamento exames que eles não fizeram.
O dependente de uma servidora teria feito exames seis meses depois de sua morte. “Meu marido já estava morto quando usaram a matrícula dele”, disse a mulher.
Além do site da empresa, a reportagem verificou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) que deveria ser uma clínica que atenderia nas áreas de Psiquiatria, Cardiologia, Acupuntura, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, como prevê o contrato com o Imas.
Antes do escândalo, o presidente do Imas, Sebastião Peixoto, demitiu o diretor de Assistência à Saúde do Servidor do órgão, o geriatra Carlos Henrique Duarte Bahia, e determinou uma auditoria interna que constatou as irregularidades.
Com sua designação ao cargo, Carlos Henrique articulou a contratação da empresa que deveria oferecer atendimento médico mas, como apurou o Portal Dia Online, é uma escola de treinamentos para profissionais da saúde.
O contrato firmado com a Urgembras é de R$ 10 milhões e foi feito com dispensa de licitação, como publicado no decreto nº 054/2017, assinado por Sebastião Peixoto em 23 de outubro de 2017, com vigência até o dia 31 de dezembro de 2021.
Veja denúncia de servidora em que matrícula de marido morto foi usado em fraude:
“Caique”
Carlos Henrique Duarte Bahia, na data das consultas sob suspeita de fraude, era diretor de Assistência à Saúde do Servidor do Imas. Ele foi exonerado do cargo em 27 de abril quando o órgão começou a receber denúncias envolvendo o médico com as consultas. Um dos braços direito de Sebastião Peixoto, a reportagem encontrou dificuldades em descobrir quem era o médico pelo seu nome de batismo.
É que Carlos Henrique é conhecido como “Caique” tanto no Imas quanto no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), de onde foi exonerado do cargo de diretor após ser preso devido a fraudes na transferência de pacientes para Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em 2016, em uma operação intitulada “S.O.S SAMU”.
Além de assinar guias de atendimento classificadas em uma auditoria feita pelo próprio Imas em abril como fraudulentas, Carlos Henrique era dono da Urgembras. Quando assumiu o cargo no Imas, ele já havia deixado a sociedade na mão da advogada Luiza Ribeiro Fernandes. A reportagem tentou contato nas últimas três semanas com Luiza, mas ninguém sabia de quem se tratava.
Em entrevista à reportagem, Sebastião Peixoto prefere culpar uma funcionária da Urgembras. “Tudo culpa de uma funcionária deles [Urgembras] que foi demitida”, Sebastião culpa. “Já resolvemos tudo, cancelamos todas as notas fiscais”, avisa, enquanto o repórter folheia, durante uma hora, os documentos sobre a mesa de Sebastião.
“Não sou sócio da empresa, porém ela é credenciada pelo Imas e com o objetivo de melhorar a prestação de serviços aos usuários houve atendimento aberto para este convênio na clínica onde trabalho, onde foi respeitado todos os requisitos no chamamento 02/2016. Devido à falhas no cumprimento de obrigações contratuais de segurança (o que foi amplamente esclarecido na auditoria feita pela própria empresa), todos os procedimentos incompletos em itens de segurança foram listados e cancelados com rigor. Informo ainda que nenhum pagamento foi realizado para a empresa, afastando possibilidade de prejuízo para o IMAS. Assim, entendo necessário o acesso às correções realizadas que ainda a imprensa e até mesmo a Controladoria não tiveram acesso. Encontro-me à inteira disposição para demais esclarecimentos. Gentilmente, solicito a consideração de todo o trabalho de retificação realizado para fins de melhor esclarecimento do caso e afastar divulgação incorreta ou até mesmo injusta. À disposição.”
Quer dizer…
No primeiro telefone disponível na internet da Urgembras, atendeu um escritório de contabilidade. Depois de pelo menos três ligações, a recepcionista passou um número de telefone. Neste segundo número, a secretária eletrônica, no entanto, repete: “Você ligou para a Amice Clínica”. Por fim, o repórter conversa com uma atendente que afirma desconhecer a Urgembras.
Depois de consultar uma segunda pessoa, a recepcionista volta atrás e informa que a Urgembras fica no mesmo prédio da clínica Amice.
Amice é uma tímida clínica no Marista, um setor de classe média alta da capital, de propriedade de Glaydson Jerônimo Da Silva, o reumatologista que assina guias de suposto atendimento à servidora que denunciou as fraudes.
No endereço, a reportagem encontra apenas um banner desbotado da Urgembras e pede para falar com um responsável. “Olha, é o doutor Carlos Henrique, mas ele está em atendimento”, diz a recepcionista.
Em seguida, um médico aparece. Sem saber que está sendo gravado, ele conta que os cursos da Urgembras são ministrados na clínica Amice. Ainda conforme ele, o proprietário das duas é Carlos Henrique Duarte.
Presidente do Imas desde o início da gestão do prefeito Iris Rezende (MDB), Sebastião Peixoto é um conhecido nome do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). Vez ou outra ele se envolve em alguma suspeita de irregularidade com o dinheiro público por onde ele passa como gestor nos últimos 50 anos em Goiânia. Ele nega irregularidades no contrato com a empresa.
Em resposta à reportagem, o médico Carlos Henrique Duarte enviou a seguinte nota:
“Não sou sócio da empresa, porém ela é credenciada pelo Imas e com o objetivo de melhorar a prestação de serviços aos usuários houve atendimento aberto para este convênio na clínica onde trabalho, onde foi respeitado todos os requisitos no chamamento 02/2016. Devido à falhas no cumprimento de obrigações contratuais de segurança (o que foi amplamente esclarecido na auditoria feita pela própria empresa), todos os procedimentos incompletos em itens de segurança foram listados e cancelados com rigor. Informo ainda que nenhum pagamento foi realizado para a empresa, afastando possibilidade de prejuízo para o IMAS. Assim, entendo necessário o acesso às correções realizadas que ainda a imprensa e até mesmo a Controladoria não tiveram acesso. Encontro-me à inteira disposição para demais esclarecimentos. Gentilmente, solicito a consideração de todo o trabalho de retificação realizado para fins de melhor esclarecimento do caso e afastar divulgação incorreta ou até mesmo injusta. À disposição.”
Na próxima reportagem da série, Sebastião se contradiz com informações equivocadas.