O sábado (26/5) é a continuidade do pesadelo que se transformou a vida das nove famílias de adolescentes mortos após incêndio no alojamento 1 em um centro de ressocialização que funcionava em desrespeito à legislação no 7° Batalhão da Polícia Militar do Estado de Goiás, em Goiânia.
Funcionários, que pediram anonimato, contaram ao Dia Online um pouco da rotina dos jovens que são mantidos precariamente no cumprimento de medidas socioeducativas.
Além da superlotação, com 11 jovens quando o local tem apenas 6 camas de concreto, obrigando-os amontoarem colchões, o espaço não tem janela e é escura. O cheiro de urina e fezes faz parte do cotidiano dos jovens que são obrigados a pedir um educador para dar descarga ou beber água.
Eles passam quase o tempo todo no alojamento. Quando saem para o banho de sol, alguma dignidade, sob a olhadela dos policiais que os vigiam, quando conversam com outros adolescentes.
Atividades são raras. Alguns jovens ainda conseguem fazer musicoterapia e raramente uma aula ultrapassa duas horas por dia. Algumas são de uma hora. Não existe curso de capacitação profissional, que faz parte do plano de ressocialização dos jovens infratores.
Com capacidade para 50 jovens, o local tinha 80 no momento do incêndio, mas já teve 117 no início do ano. Dados obtidos com exclusividade pela reportagem dão conta que dos 80 adolescentes internados no momento da tragédia, 23 são internações provisórias e 57 definitivas.
Todos da ala 1 eram de internação definitiva e não deveriam estar ali porque o acolhimento seria apenas provisório.
O medo de represálias é comum entre agentes socioeducativos, psicólogos e assistentes sociais. Alguns revelaram os problemas em outras unidade e foram transferidos e respondem a procedimentos administrativos por contarem a verdade.
Uma psicóloga, ainda assustada com os gritos que ouviu quando atendia a um adolescente, lembra que quando saiu da sala de atendimento já viu a fumaça preta.
“Vi muitos colegas passando mal porque tentavam salvar os meninos. Em cinco minutos, o alojamento estava incendiado”, conta.
Outra lembra que nada indicava que algum dos meninos incendiaria um colchão. “Estava tudo calmo. Às vezes tinha tumulto. Vamos esperar a perícia informar o que aconteceu de verdade. Vejo informações diferentes na imprensa e não sei mais do que quando eu ia pelo corredor vi o fogo”, diz.
Para ela, o importante é denunciar as condições. “São seis camas de concreto. O Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo (Sinaese), legislação que regulamenta o atendimento, prevê que deveria ficar um por cela. É muito desrespeito e em todas as unidades de acolhimento”, denuncia.
Para ela, tinha muitos colchões no alojamento. “Isso, sim, provocou a tragédia. O extremo da indignidade. Quem dá descarga é o educador. A água é servida em garrafas. Atendia adolescentes e passava ratos”, relata.
Pelo menos dois corpos foram liberados no início da tarde deste sábado.